Num país cuja experiência democrática não democratizou nem democratiza massivamente o conhecimento dos direitos fundamentais da pessoa, o sentimento da injustiça sofrida manifesta-se instintivamente, mas o espírito crítico, para saber se o governo é infame ou não, fica transferido para um outro momento histórico, ligado à promessa sempre adiada de que um dia o Brasil real vai acordar e vencer. Essa obra de adiamento adiado deve-se também à confusão criada calculadamente pelos plantonistas do poder político, ajudado pelo proselitismo deslavado das mentiras reiteradas, até que os incautos as assumam como verdade.
A alternativa saúde x economia, que separa o governo federal da grande maioria dos governadores e prefeitos, fez com que ela emergisse dos porões da mediocridade política, porque contraria o programa escrito da Constituição de 1988, nosso pacto de convivência social, a Constituição-cidadã, que militares e autoridades civis juram cumprir e defender.
A propósito o Superior Tribunal de Justiça, que não recebe crítica presidencial alguma, faz a pedagogia dos valores fundantes da República, em seus julgados, dentro os quais, esse:
“4-Os Direitos fundamentais à vida e à saúde são direitos subjetivos fundamentais. Constitucionalmente, consagrados cujo primado, em um Estado Democrático Direito , como o nosso que reserva especial proteção à dignidade da pessoa, há de superar quaisquer espécies de restrições legais…”
“5-Constituição não é ornamento, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais, sob esse ângulo merece destaque o princípio fundante da República, que destina especial proteção à dignidade da pessoa humana” ( in AgRg no Recurso Especial nº 1.002.335, rel. Min. Luiz Fux)”
Se o direito à vida é o direito mais importante, na Constituição e a dignidade da pessoa representa um valor ético-jurídico fundamental em nossa ordem jurídica, inadmissível aceitar-se a demagogia do discurso político, que nesses momentos difíceis para a população, o governo do país dá-se ao incrível e, até então impossível, trabalho de fazer oposição a si mesmo, aos próximos, aos distantes, aos que não se ousam dele se aproximar. É uma verdadeira bagunça, para repetir o qualificativo dado pelo economista e ex-ministro Delfim Neto.
Por isso não é o Supremo Tribunal que quer substituir o Presidente nos seus atos de aparência de redenção nacional. Se o Presidente tivesse interessado em enfrentar essa crise, como ela precisa, precisaria ter aprendido o be-a-bá do diálogo democrático, para saber que cabe à União traçar as normas gerais da política dá saúde, mas os Estados e Municípios, de conformidade as características de sua diversidade, ou interesse local, podem exercer – e devem fazê-lo – sua competência constitucional concorrente.
Guerra só cabe na cabeça de quem interessa a guerra, que não é ao povo.
Por isso, a União teria mesmo de ajudar os Estados, as empresas, especialmente as médias e as menores, para que o sistema tivesse diminuídos os efeitos da retração do mercado, e particularmente dar literalmente dinheiro a cada pessoa necessitada. Esse dinheiro não deveria ser dado aos pingados, mas de uma só vez, para evitar a aglomeração e filas, nos bancos, como bem o diz o ex-candidato Ciro Gomes.
E, mais, em seu pronunciamento, Ciro mostra o dinheiro que está disponível ao Brasil, para corresponder à política de coordenação nacional, hoje inexistente, em nome da racionalidade política de uma Federação cooperativa, em beneficio de empresas, pessoas e de toda nossa população.
O problema está na cabeça do atual ministro da economia, que defende a redução drástica da proteção social, a sua fixação em salvar dinheiro para pagar os bancos, o desapreço, portanto, que ele tem pelo social, que é a bandeira desfraldada do Estado de bem-estar, que a Constituição implantou, e que a mentalidade do Estado mínimo, que nunca existiu no mundo, quer destroçar, desossando o Estado brasileiro.