“Vagalumes ao redor do lago/ onde coaxam diversidade de rãs/Via Láctea encanta o alto do céu/ fogo tenro de gravetos/batata-doce assada em brasa mansa/ sopa de inhame no fogão à lenha/Manhã orvalhada/ beija-flores disputam o néctar do mulungu florido/eritrina exibe no alto de sua copa as primeiras flores alaranjadas/paineiras despidas de folhas namoram grandes pedras repletas de liquens/Seriemas da cor do chão/ da cor do mato que vai secando/da cor dos caules das araucárias/da cor dos moirões que delimitam o roçado de milho.
Canarinhos, canários-da terra; verde-amarelos/zunido forte de enxame de vespas – medo!/a visita caipira de um casal de jacus no domingo que se põe./Gorro de lã de alpaca/temperatura de um dígito só/ água “pedra de gelo”/céu vasto repleto de estrelas/Céu anil/ céu com névoa de montanha até uma da tarde/sítio Vale do Céu/ Bairro rural da Pedra Branca/Santuário Ecológico da Pedra Branca/ Pocinhos/Pocinhos do Rio Verde/Caldas, Minas Gerais/Onde mineradoras avançam…”
Escrevi esse poema em 2017, se não me falha a memória. Tanta beleza em tantas visitas a Pocinhos do Rio Verde e sempre uma angústia ao constatar a corrosão da paisagem pela mineração de granito. Afora os estrondos provocados por dinamites para abertura de novas frentes de lavra. Barulho que gela o coração da gente bem no meio do luxuoso silêncio rural. Um dissabor no encanto. A gente lamenta e passa a conviver com aquilo. Tem sido assim em nosso querido país que caminha estranho e muitas vezes irreconhecível.
Mas, temos boas novas: a recente decisão do Supremo Tribuna Federal (STF) em favor do não avanço da mineração na Área de Proteção Ambiental (APA) da Pedra Branca em Caldas, MG. Trata-se de importante precedente para resistência à mineração nos municípios brasileiros. Conto-lhes como tudo aconteceu…
Nas décadas de 1980 e 90 havia mineração de urânio no município de Caldas para abastecimento da usina nuclear Angra I. Até hoje há barragem com rejeitos radioativos, considerada insegura após o crime de Brumadinho. Risco merecedor de monitoramento por parte da empresa Indústrias Nucleares do Brasil, do órgão de controle ambiental de MG – Instituto Mineiro de Gestão das Águas –, bem como da atenção do Comitê do Rio Pardo, sediado em Ribeirão Preto. A localização da referida barragem está na bacia hidrográfica do Pardo.
Desse incômodo veio a iniciativa de criar, em 2006, por lei municipal, a APA “Santuário Ecológico da Pedra Branca”. Em um dos dispositivos legais, ficou proibida a abertura ou reabertura de novas frentes de mineração.As lavras instaladas com as licenças de operação já emitidas continuam. Vedada ficou a expansão da mineração dentro da APA. A rica biodiversidade, a beleza cênica da Pedra Branca, as inúmeras nascentes, o patrimônio cultural das comunidades rurais e as atividades de ecoturismo – fonte importante de recursos -, ficaram mais protegidos no presente e no futuro.
Então, um grupo de mineradoras deu início à uma sequência de ações contra a Municipalidade, argumentando que a competência para legislar sobre mineração era exclusividade da União – art. 22, inciso XII da Constituição Federal. E se seguiram derrotas em toda a hierarquia do Judiciário. Este, em todas as instâncias, entendeu não haver vedação constitucional ao estabelecimento de restrições adicionais em âmbito municipal quando a intenção é proteger o meio ambiente, pois a competência é concorrente entre os entes federados para legislar na matéria “proteção ambiental”.
O município pode e deve buscar arcabouço legal que resguarde a qualidade ambiental do seu território para as atuais e futuras gerações perante atividades econômicas predatórias.
Essa vitória não existiria sem não fosse a participação ativa das entidades que compõem a Aliança em Prol da APA da Pedra Branca. Fica a experiência e fica o registro de uma comunidade que se organizou e participou das decisões afetas a seu futuro.
Vamos reerguer o paiol?
(Este artigo é dedicado à querida amiga, educadora e bióloga, Maria Rita Avanzi)