A ideia de uma formação humana, para que tenhamos uma convivência saudável e harmônica numa sociedade depende da educação básica, onde, até recentemente havia uma dicotomia entre educação formal, que era função da escola (a escolarização), e a educação informal, que orienta, ou deveria orientar o comportamento moral e ético na vida cotidiana. No entanto essa dicotomia desmoronou com as mudanças no comportamento da sociedade.
Acontece que este comportamento bipolar criou raízes profundas em nossa sociedade, e apesar da clarividência de novas pedagogias (que não são tão novasassim), que mostram que o lugar de se aprender a cidadania é no chão da escola, mostrou que essa dicotomia não cabe mais no século 21, mas extirpar essa velharia é um trabalho de paciência e perseverança que precisa acontecer no ambiente escolar como um ato de rebeldia pela qualidade no aprendizado dos educandos.
No sistema capitalista é o lucro que move os interesses, e no Brasil estes interesses esbarraram no analfabetismo da população pobre, que é a principal máquina para fornecer mão de obra barata para desenvolver e ampliar o capital. Olhar para a escolarização desta população, mesmo que precariamente foi à solução encontrada, não para se transformar em uma Nação, mas sim para saciar a sede de lucro das grandes corporações.
A segregação da escolarização da população brasileira foi pensada desde o início como uma ferramenta eficaz de exclusão, pois colocava de um lado os filhos dos que comandam, e do outro lado os filhos dos pobres como mão de obra barata e mal remunerada, para manter tudo como sempre foi, e jamais ter ameaçado o modo de vida opulente da velha aristocracia. Minimizar a inteligência das crianças pobres, que vivem em situações precárias de moradia, alimentação e dignidade humana é a ferramenta da segregação social.
Os modelos de escolarização sempre tiveram uma linha de corte bem definida, que não permitia o acesso dos pobres aos níveis mais altos do conhecimento. E quando por força das circunstancias a escola pública foi obrigada a dar guarida para os filhos dos pobres – houve o descontentamento dos bem nascidos, afinal se julgam superiores, e seus rebentos não podiam conviver no mesmo ambiente com aqueles que chamam de ralé. E com dinheiro público criaram a rede privada, para atender a elite que se acha branca e superior.
Com seu público definido, a escola básica pública se armou de ferramentas para se defender deste público hostil. Construir prédios escolares no formato de instituições prisionais era o recado cabal para contrapor qualquer ato de autonomia e rebeldia dos chamados alunos. Todos eram submetidos ao mesmo tipo de aprendizagem, que era a famosa educação bancária da qual Paulo Freire era severo crítico. E para manter um ambiente sem contestação, a repetência e expulsão era a principal ferramenta pedagógica.
Aquele velho estigma (mentiroso) de que os educandos pobres têm baixa capacidade cognitiva é o principal entrave para melhorar e modernizar a educação básica pública. Essa velharia toda deveria ter sido sepultada com a Promulgação da Constituição cidadã de 1988, e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, no entanto a burocracia estatal deu de ombros para estas leis, e depois trinta e três anos continuamos malhando em ferro frio.
A repetência, ainda nos dias de hoje é a ferramenta eficaz nas mãosde gestores incapazes. Em 1977 foram matriculados na primeira série do primeiro grau 6.436.434 estudantes, e concluírama oitava série em 1984: 865.149, portanto, 13% (fonte IBGE), e essa situação deplorável pouco mudou, pois nos dias atuais somente 40% dos estudantes que são matriculados no primeiro ano do ensino fundamental concluem o ensino médio. É um escárnio! Não há doença pandêmica que mate 60% dos infectados!