Galguei rápido os cinco degraus que me levavam da rua já molhada pela chuva a um abrigo onde poderia esperar até o fim da tempestade de verão. A água descia apressada, tamborilando na superfície da estrutura que se projetava do prédio, estrutura que me acolhia e protegia de ficar molhado.
Sem nada a fazer, senão contemplar a água correndo e desenhando pequenos redemoinhos na sarjeta, dei-me conta dos oportunos cinco lances que me permitiram vencer a diferença de altura entre a rua e o prédio onde me abrigava. E comecei a pensar nesta pequena invenção, a escada, tão incorporada ao nosso dia a dia, que pouco percebemos sua existência.
Perde-se no tempo a iniciativa de sua primeira confecção. Teriam sido primitivos degraus esculpidos na superfície em barranco, sempre escorregadios nos dias de chuva. Depois, talvez vieram pedras colocadas de tal modo que amenizariam a subida ou descida, frágil estrutura que suportou a passagem de muita gente.
Os egípcios adornavam suas pirâmides com escadas decorativas, sem utilidade prática, costume também adotado pelos hebreus. Imagina-se que seriam um instrumento para ascensão aos céus.
Na Grécia e Roma, talvez cinco séculos antes da Era Cristã, as escadas começaram a ser usadas como meio de transpor diferenças de níveis, incorporadas à arquitetura da época.
A Igreja Católica foi a incentivadora das grandes escadarias, pois seus templos normalmente ficavam no ponto mais alto dos povoados. Exemplo disto é a escadaria da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, erguida em 1745, no alto da Colina Sagrada, em Salvador e onde ocorre, no segundo domingo do ano, a lavagem de seus degraus, prática que perdura desde 1773 e representa a perfeita fusão dos valores católicos e africanos. É uma das mais expressivas manifestações populares religiosas da Bahia.
Como gosto muito de viajar, tive oportunidade de admirar várias escadarias pelo mundo, que ficaram na minha memória. A moderna escada de acesso aos Museus Vaticanos, com sua forma helicoidal, é uma delas, que prepara o visitante para a imponência de um dos maiores museus da Terra. Serviu de inspiração para o Museu Gugenheim, em Nova York. Dentro do Vaticano, temos a escada de Bramante, obra prima do início do século XVI, em dupla hélice e que permitia até o seu uso a cavalo, dando ao Papa condições de fuga, se ameaçado.
Na Costa Amalfitana, a catedral de Amalfi, além de guardar relíquias do primeiro discípulo de Cristo, Santo André, apresenta enorme escadaria datada de 1728, que conduz o visitante ao alto onde se encontra. É dela que parte a Procissão do Fogaréu, quando as luzes da cidade se reduzem a um mínimo indispensável e milhares de pessoas descem por ela, portando pequenas tochas que iluminam a cidade medieval.
Vários palácios pelo Mundo oferecem majestosas escadarias para serem usadas pelos visitantes: a da Ópera Garnier, em Paris; a majestosa entrada do Palácio de Buckingham; o acesso ao Palácio Schoenbrum, em Viena, bem como a moderna escada sob a Pirâmide do Louvre e a solene entrada do Teatro Municipal de São Paulo.
A modernidade passou a exigir soluções tecnológicas e surgiram as escadas e os tapetes rolantes, no ano de 1893. Dos Estados Unidos, elas se tornaram de uso universal, para múltiplas funções. Em Las Vegas, por exemplo, escadas rolantes oferecem seus degraus em pleno céu aberto, sujeitas a chuvas e outras intempéries. A praticidade dos metrôs aumentou muito quando suas estações profundas puderam ser acessadas através de enormes escadas rolantes.
A chuva passou, desci os cinco degraus calmamente e agradecendo a quem teve esta ideia genial, simples e muito útil: a escada.