O governo Bolsonaro, no dia a dia de seu mandato desde a liberação das armas, até o anúncio arrogante de que não cumpriria nada do que decidira o Supremo Tribunal Federal, até o achincalhe pessoal de ministros, já repetia sua personalidade autoritária, revelada em mais de trinta anos de mandato federal. A ida afrontosa, e ilegal, para encontrar e estimular manifestantes à porta do quartel, até discursando ali. A visita afrontosa ao acampamento da mineração ilícita e ilegal, em terras indígenas. A negativa da eficiência das vacinas, desacreditando o sistema vacinal do país, que era exemplar.
A ameaça reiterada do que aconteceria aqui, se o voto impresso não fosse aprovado. O padrão da prometida barbárie anunciada era o que acontecera lá nos Estados Unidos quando a “manada” atacou o Congresso norte americano. Arrastar os comandantes das Forças Armadas à fabricação de cloroquina, e ainda fazê-las auditar ilegalmente as eleições, e impedir que declarassem o rigor do resultado, deixando aquela dúvida, parceira da fabricação do descrédito.
E o silêncio estridente, depois da eleição, à espera do grande dia, que se consumou no dia 8 de janeiro, como pior do que nos Estados Unidos. E finalmente a descoberta do decreto prontinho, para ser publicado, papel timbrado, declarando o Estado de Defesa tão logo a “baderna” obtivesse sucesso. Tudo isso e muito mais, não pode ser qualificado como atos preparatórios de um decreto prontinho para ser publicado?
Esse decreto deve ser analisado, ligando-o à cadeia de tantos atos e fatos anteriores que envergonham o país, porque conspiratórios contra a democracia incipiente que queremos e podemos construir. O decreto prontinho para instaurar o Estado de Defesa no TSE, anular as eleições, e que a Polícia Federal encontrou na casa do ex-Secretário da Justiça e ex-Ministro da Justiça do governo anterior, é prova material indiscutível.
O então presidente, desde o primeiro dia de seu mandato atacou a Constituição, porque não aceitava limites legais à sua arrogância autoritária. Violou tantos e tantos artigos da legislação infraconstitucional, e repetidas vezes atacou a Constituição que, civis em função pública e militares juram cumprir. Tantas e tais violações que serviram de base à apresentação de mais de cem pedidos de impeachment junto ao Presidente da Câmara Federal.
Entretanto, o assunto é o tal decreto que, prontinho, até escrito em papel timbrado, só aguardava o acontecimento máximo do ataque terrorista à sede dos Poderes da República, para então ser publicado, e finalmente o ex-Presidente ou outro qualquer que estivesse de plantão assumisse o Poder, em nome da ala podre dos militares.
A grande encalacrada em que se encontra, especialmente a cúpula do Ministério Público Federal, é dada pela inércia continuada, diante do que o ex-presidente falava e fazia.
Uma hipótese. Se houvesse renúncia do Procurador Geral atual, e outro assumisse a função e o cargo, o novo poderia elencar tantos e tantos crimes, em tese, cometido pelo ex-presidente, revelando com essa atitude inércia calculada anterior da sua instituição, que não condiz com a responsabilidade de suas funções?
Ora, se a cadeia de preparação do golpe, que culminaria com a publicação do Decreto do Estado de Defesa, é longa e rica em atos e fatos de exorbitância e abuso, não se pode pretender que um documento que se encaixa cuidadosamente, como parte final do golpe, possa ser considerado isoladamente.
O Decreto prontinho, prova irrefutável, não pode ser considerado um documento solitário, desligado, perdido no ar, e a cúpula do Ministério Público Federal não pode considerá-lo como um documento coincidente com uma cadeia de atos precedente e públicos, que sempre pregaram a intervenção militar, o descrédito dos Poderes da República e o instrumentos formais que a democracia oferece, para sua própria revitalização, que são a urna secreta e o voto.
Entretanto, não é somente a cúpula do MPF que está encalacrada, já que a verdade emergiu, para vergonha de todos nós.