O abandono de crianças e adolescentes oriundos das periferias pobres, que são chamadas de vulneráveis, se perpetua ao longo do tempo. Até o advento do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), crianças e adolescentes que faziam parte deste grupo social tinham seus direitos vilipendiados o tempo todo.
A educação básica era divida em primário, ginasial e secundário, sendo que a maioria absoluta das crianças pobres, não conseguia ter acesso à escola, pois era a política dos governos, e entre aquelas que conseguiam se matricularo próprio sistema tratava de fazer a seleção natural, e parcela significativa não ultrapassavam o segundo ano do ensino primário. E por conta disso o analfabetismo absoluto beirava a casa dos 50% até meados do século 20.
E mesmo com todas as dificuldades impostas aos pobres, os poucos que conseguiam terminar o primário tinham que enfrentar um vestibular, que na época era chamado de programa de admissão ao ginásio, e neste funil de passagem estreita as chances dos estudantes pobres era diminuta. Sempre tivemos no Brasil uma segregação abismal, que coloca em patamares opostos a educação oferecida para as elites, e a oferecida às chamadas classes subalternas, consideradas serviçais.
O Estatuto da Infância e Adolescência sofre ataques virulentos desde a sua promulgação, diziam que não era um Estatuto para o Brasil, e sim para a Suíça. E de lá pra cá pouca coisa foi materializada, e o direito determinado pela lei na maioria das vezes se esvai.
O retrocesso no comportamento social de uma parcela significativa da população brasileira, que experimentamos nos dias de hoje pretende substituir o Estatuto pelo Velho Testamento, e para isso algumas igrejas evangélicas resolveram aparelhar os conselhos tutelares com os chamados “homens de Deus”, e com isso vão minando a Lei maior que protege crianças e adolescentes.
A ideologia do deus mercado corrobora com a ideia que tudo tem que ser privatizado,que a liberdade do capital se sobrepõe a liberdade de viver. E para defender o capital vale-tudo, até defender o ECA, que atacam o tempo todo, como ferramenta para abalizar os argumentos econômicos, que determinam a volta das aulas presenciais da educação básica em plena pandemia. E para isso lançam mão daquilo que fazem melhor: “O dom de iludir”.
De repente, os excluídos e abandonados se tornaram visíveis pelos olhos daqueles que nunca os enxergaram, o Estatuto tão vilipendiado está sendo citado pelos doutores defensores contumazes do sistema financeiro, como uma lei que tem que ser respeitada. O artigo 18: “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.
Artigo 18-A: “A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los”. Há algo de podre na defesa destes artigos.
Tem doutor citando a lei, no entanto nunca prestou atenção nela, e corrobora com o argumento de que as crianças e jovens estão abandonados, sofrendo maus tratos de todos os tipos dentro de suas famílias, e sendo usados como mão de obra pelos traficantes de drogas, e a única solução seria o retorno dos educandos para a escola. Esse argumento tacanho, demostra o total desconhecimento da realidade das periferias pobres, que sofrem há séculos um eterno abandono.
Relativizar a vida, para quem sempre dormiu de barriga cheia se tornou algo natural. A educação básica não é um campo abandonado, que precise de pseudos especialistas para mostrar o caminho que devemos seguir. A Pedagogia é o campo da ciência capacitada para formar a cidadania – temos dificuldades estruturais, mas se não atrapalharem sabemos o que tem que ser feito.