O abismo social existente no Brasil se materializando durante os mais de cinco séculos da invasão portuguesa, onde a mão de obra escrava enriqueceu os senhores donos de escravos, e estigmatizou os escravizados como sendo seres inferiores, sem direito a uma vida digna. A Igreja Católica não podia expandir o cristianismo catequizando os nativos, sem ensinar-lhes uma nova língua, e com isso as primeiras escolas foram criadas, mas tomando o cuidado para que a educação se limitasse às necessidades da Igreja. A classe que começava a enriquecer na colônia exigiu que uma educação clássica fosse endereçada para os seus rebentos, enquanto que os filhos dos pobres de origem nativa e negra receberiam uma educação para a servidão.
O século 19 trouxe o modelo fabril para a educação escolar, e nem a chegada do terceiro milênio conseguiu modificar este tipo de educação básica, que ainda produz seus frutos maléficos, principalmente nas escolas públicas. Ao redor do mundo houve movimentos educacionais que buscavam novas fronteiras durante o século 20, inclusive o Brasil fez parte deste movimento, com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, movimento que pretendia implantar no País uma escola acolhedora que atendesse as necessidades da população pobre, mas as velhas ideias, capitaneadas pela Igreja Católica e pelos donos do poder, que não admitiam qualquer mudança na estrutura social brasileira fizeram este projeto naufragar.
A pandemia escancarou a escamoteação vivida pela educação básica pública, que no papel funcionava plenamente. O acordo com o Tio Sam realizado nos anos 1960, que previa um investimento maciço na educação básica, para tirar o Brasil do atraso secular, não saiu do papel, pois o dinheiro foi abduzido pela máquina eficiente da corrupção. A maioria das nossas escolas básica públicas ainda usa o modelo fabril concebido no século 19, com o professor isolado diante do quadro, que já foi negro, o confinamento e aulas de cinquenta minutos, que não fazem mais sentido no século 21.
O abismo social vivenciado no Brasil, só será extirpado quando tivermos uma escola básica pública formadora da cidadania, o grande educador Paulo Freire afirmou: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Os teóricos brasileiros da educação básica são reconhecidos mundialmente, no entanto santo de casa não faz milagres, e por conta disso vivemos importando modelos alienígenas, que além de custar caro, não resolvem os nossos problemas, servem apenas para enfeitar os gabinetes dos dirigentes educacionais.
Ouço muita gente dedicada falar que há dificuldade no aprendizado dos educandos, principalmente da meninada oriunda da periferia pobre, e que é preciso investir mais dinheiro neste público. Mas o que vemos é o uso do velho chavão político: “criar dificuldades, para vender facilidades”. Sucatear a escola pública depreciando o seu público, para privatizar e aumentar os lucros da rede privada é a meta principal. O tempo vem mostrando que não há diferença cognitiva entre o topo e a base da pirâmide, o que há é a velha segregação, que não admite que o filho do pobre possa disputar os mesmos espaços, que durante muito tempo ficaram reservados para os filhos dos ricos, que são chamados de “gente de bem”.
A nova educação básica começa quando tivermos um olhar acolhedor para a realidade de cada local, onde a escola está inserida, a participação de todos na discussão dos projetos e problemas da escola, pais, professores, alunos, familiares, dirigentes e a comunidade local, pois só assim se faz uma educação inovadora pertencente ao século 21, a tecnologia é fundamental, mas não é somente com a distribuição de tablets para os educandos que vamos mudar, o aprendizado tem que ser significativo para a vida. A importância da história e sonhos de cada um, a história da comunidade onde vivem, e saber que seus sonhos podem alcançar o universo, e não apenas sonhar com um emprego de empacotador num supermercado.
Mudando a escola básica, se constrói a cidadania, e com isso se muda o cotidiano – e seremos uma Nação!