Enquanto a violência obstétrica ganha espaço na mídia nacional após a recente repercussão do caso da influenciadora digital Shantal Verdelho, que denunciou a postura do obstetra Renato Kalil durante o nascimento do filho dela, profissionais especializadas em parto lutam pela humanização para mãe e bebê na hora da parição, baseada principalmente no empoderamento por meio da informação. Segundo Cláudia Loureiro, fisioterapeuta especializada em saúde da mulher, doula e master coaching, que atua em Ribeirão Preto, muitas mulheres sofrem violência obstétrica e nem se dão conta disso, durante o procedimento.
A doula é uma pessoa que passou por um treinamento de parto e que fornece apoio físico, emocional e informações para a mulher e sua família antes, durante e depois da parição, fornecendo apoio nos aspectos não médicos e complementando os papeis da equipe médica.
Cláudia esclarece que cabe à mulher a decisão sobre o que ela quer que seja feito com seu corpo, se vai haver intervenção, se o parto será natural ou cesáreo; aos profissionais da área obstétrica cabe o fornecimento de toda a informação necessária e a ingerência deve ocorrer se houver risco para a mãe e/ou bebê, constado, mas ainda assim, tudo deve ocorrer de forma humanizada, ou seja, respeitosa, garantindo dignidade física, emocional e social à mãe e ao bebê.
“O caso da Shantal evidencia o que passam muitas mulheres todos os dias; o que passa muito longe do que chamamos de parto humanizado, que pode ser natural, normal com ou sem intervenção ou cesáreo, mas o importante é que seja humanizado”, explica.
Cláudia chegou à compreensão desta área da sua profissão na condição de gestante, que não se enquadrava na situação apresentada pelo obstetra durante o pré-natal de sua filha.
Quando engravidou, a hoje fisioterapeuta especializada em saúde da mulher, doula e master coaching não exercia essas funções profissionais. As dificuldades diante de um pré-natal cheio de dúvidas e sem apoio adequado, a levaram a querer ajudar outras mulheres a não atravessarem o mesmo deserto que ela durante o pré-natal, parto e pós-parto.
“Eu vivi muita insegurança, motivada pela falta de informação adequada e, só levei a condição de um parto humanizado e respeitoso adiante, porque encontrei uma médica que compreendia minhas necessidades”, conta.
As especializações que vieram depois do parto de sua filha, transformaram a fisioterapeuta. Ela se especializou em nascimentos seguros e respeitosos, que resultou no acompanhamento de mais de mil bebês em 6 anos de trabalho.
O trabalho de Cláudia começa com a gestante desde as primeiras 16 semanas, com fisioterapia para preparar o corpo e músculos pélvicos. Há o processo de coaching para organizar o emocional e eliminar crenças limitantes para a nova fase de vida. Além do acompanhamento no parto e pós-parto (fisioterapia e doula).
De acordo com a fisioterapeuta, a junção dessas três áreas proporciona um empoderamento à mulher para que seu parto seja o mais próximo possível do ideal sonhado. Cláudia explica que todas as etapas são diferentes e complementares e a mais importante é aquela que vai trazer segurança para a gestante.
Queria poder ser a protagonista do nascimento da minha filha, diz psicóloga
A busca por um parto respeitoso levou a psicóloga Flávia Junqueira Netto a recorrer ao trabalho disponibilizado pela fisioterapeuta. Ela conta que durante a gestação foi buscar informação a respeito do parto e pós-parto.
“Conversei com alguns profissionais da área, li alguns relatos e me assustava a possibilidade de sofrer a violência obstétrica e de o meu plano de parto não ser respeitado no ambiente hospitalar, porque eu queria poder ser a protagonista do nascimento da minha filha”, conta.
O parto de Flávia ocorreu no meio da pandemia de covid-19, o que despertou ainda mais a importância de se afastar do ambiente hospitalar.
“No meio da minha gestação, nos deparamos com a pandemia, aquele cenário me trouxe a certeza de que realizar meu parto domiciliar nos traria mais segurança”, lembra.
Cláudia adaptou os atendimentos para on-line e a gestante manteve os exercícios em casa. Ela lembra que o trabalho de parto durou em média 5 horas, do início das contrações até o nascimento da criança.
“Maitê nasceu de 40 semanas e 3 dias, com 52cm e 3.350 kg, não tivemos nenhuma intercorrência, meu períneo íntegro, e a recuperação do pós-parto foi muito tranquila”, ressalta Flávia.
A psicóloga faz questão de aconselhar outras gestantes sobre o empoderamento e protagonismo no trabalho de parto. “Informem-se, busquem referência com amigas e conhecidas sobre a equipe de parto que pretende fazer seu acompanhamento, inicie sua preparação assim que possível, visite os possíveis hospitais onde talvez você possa ser transferida”, diz.
Ela ainda indica que o casal dê prioridade ao que chama de ‘lei do silêncio’, quando os envolvidos, o casal e profissionais que os atendem, tomam conhecimento do planejamento do parto.
“Parto não é competição – só cabe aos envolvidos, se possível só o casal. Comunicar a quem não faz parte do seu plano de parto irá gerar expectativas e opiniões avessas ao que você realmente precisa nesse momento”, completa.
Os atendimentos pré-natal são feitos em um ambiente preparado especialmente para que a gestante se sinta aconchegada, num local sem cara formal de consultório, com lounge, balanço para conversa informal sobre parto, um miniginásio para atividades físicas, espaço para avaliação e local de atendimento de coaching.
“O espaço é preparado com decoração exclusiva, perfume próprio para a gestante se sentir abraçada quando entra”, ilustra. Já os partos podem ser realizados no local escolhido pela gestante, geralmente a casa da família ou maternidade.
Cláudia conta que nem todos esses partos foram por vias naturais e muitos precisaram de intervenção cirúrgica. “Às vezes ocorre complicações e em outras poucas vezes, a mulher simplesmente opta pelo parto cirúrgico, mas nunca é por falta de informação adequada ou por medo do parto normal, já que uma das bases do tripé do nosso trabalho é eliminar crenças limitantes e fornecer informação de qualidade às gestantes”, orienta.
A meta da fisioterapeuta é que toda mulher tenha seu direito de parir amparada com toda informação necessária para proporcionar uma chegada segura e confortável para seus bebês e, desta forma, prevenir diversas doenças físicas e emocionais nas futuras gerações.
“Parto e segurança devem ser olhados tanto para a gestante quanto para o bebê, crianças que são recebidas no mundo de forma respeitosa, na hora escolhida por elas para nascer, tendem a apresentar uma vida mais saudável”, explica.
Ela ressalta que, para isso, em primeiro lugar é preciso um pré-natal de qualidade, a fim de evitar comorbidades. Durante o processo do parto é preciso que a equipe esteja atenta aos sinais que o corpo da mulher apresenta, do monitoramento constante dos batimentos do bebê. Além da equipe que deve levar segurança para a mulher durante todo o processo.
“Em uma dupla de mãe e bebê devidamente cuidados e monitorados, o risco do parto normal é extremamente baixo, em relação à cesárea que é uma cirurgia de grande porte”, finaliza.
Plano de parto, uma segurança para a gestante
O plano de parto é uma ferramenta importante para a segurança de que as escolhas da gestante serão respeitadas e que auxilia para um procedimento mais seguro. Na definição da Agência Nacional de Saúde (ANS), é uma forma de comunicação entre o casal e os profissionais de saúde, incluindo obstetrizes e médicos, que irão assistir a gestante durante o trabalho de parto e parto.
O plano deve seguir os conceitos da bioética baseados em autonomia, beneficência, não maleficência e justiça e deve levar em conta o trabalho de parto e o parto que a gestante gostaria de ter e situações durante o procedimento que a mãe gostaria de evitar.
Entre as condições apresentadas pela ANS, que devem conter no plano de parto, está: acompanhante de parto; posições para o trabalho de parto e nascimento; alívio da dor – farmacológicos e não farmacológicos, banhos e utilização de piscina; música, monitoramento do coração do feto; posição para o nascimento; nascimento assistido; quarto período (placenta); alimentação da mãe e do bebê e situações inesperadas – mãe e feto/RN.
“Parto humanizado não é um tipo de parto e sim uma maneira de assistência ao parto, respeitando o processo natural do parto e as escolhas da mulher”, destaca a fisioterapeuta Cláudia Loureiro.
Já o parto natural é aquele sem intervenção obstétrica – analgesia, cortes, entre outros -, em que a criança vem ao mundo de forma natural. Esse tipo de parto geralmente ocorre fora do ambiente hospitalar. “O parto pode ser normal, natural ou cesáreo, no entanto, o mais importante é que ele seja respeitoso com a mãe e o bebê”, finaliza Cláudia.