Tribuna Ribeirão
Artigos

A ditadura interroga o educador 

Feres Sabino * 
advogadoferessabino.wordpress.com 
 
Esse título é o mesmo do livro de bolso publicado pela editora Elefante organizado por Joana Salém Vasconcelos, composto pelos dois depoimentos prestados pelo educador Paulo Freire, quando preso, por duas vezes, em Recife, em 1964. A primeira vez, prisão para averiguação, de junho a setembro de 1964. Logo em seguida, aconteceria a segunda. O livro traz ainda uma entrevista de Dimas Brasileiro Veras. 
 
O seu interrogador foi o tenente-coronel Hélio Ibiapina Lima, líder do golpe em Pernambuco. Dedicou-se à caça do que ele chamava de “comunistas vestidos de anjo”, e Freire era acusado de “subversão no campo da alfabetização de adultos”, usando dinheiro do Estado e do programa norte-americano denominado Aliança para o Progresso. Tinha uma coluna no Jornal do Comércio e dizia que “sociologia era leninismo”; 
 
Um verdadeiro mantra é encontrado em ambos os depoimentos, já que o interrogador não admitia o método de educação de Freire, muito menos sua originalidade, referindo a ele como “suposto método”. Mais ainda sobressai como verdadeiro requinte de garimpeiro ideológico, o pedido de explicações das “aspas” na palavra “curso” que algum ou alguns coordenadores colocaram na ficha escolar. O interrogador repetiu o nome de tantos educadores inventores de método educacional, numa insistência de não aceitação do trabalho de Freire. 
 
Não faltou no emaranhado das perguntas a referência comparativa da educação na União Soviética de Stalin, nem da Alemanha Nazista de Hitler, nem de Cuba, mas o depoente lembrou que seu método não era só de conscientizar, mas se completava com o propósito de educar. O conscientizar e educar representam formar a pessoa para opinar e optar. Assim que ela era preparada para a democracia, enquanto nas ditaduras o método da educação é impositivo. Essa a diferença básica. 
 
Também o interrogador achava “marxista” a pessoa, ser alfabetizada e conscientizada, impositivamente, durante um tempo tão curto, assim dois ou três meses, e o depoente respondia que não era uma imposição, simplesmente o resultado de uma estatística sobre o tempo que a pessoa levada para saber opinar e optar, escolher. 
 
Para o interrogador o “suposto método” era para politizar, estabelecer a luta de classe. E Paulo Freire explicava que “politização”, não era o propósito de seu método, mas poderia ser considerado como consequência dele, porque afinal o saber opinar, saber escolher, eram expressões decorrentes do juízo crítico adquirido. 
 
Quando o interrogador insistia numa forma de “marxismo” naquele trabalho de alfabetizar e conscientizar, a resposta do depoente lembrava de que era cristão católico, professava os ensinamentos do cristianismo no qual a pessoa humana, estava em seu centro e o respeito a ela constitui um preceito, esse sim impositivo. 
 
A experiência educacional acontecida em Angico, no Rio Grande do Norte, antes de ser política do Ministério da Educação ao tempo do Ministro Paulo de Tarso. E Ibiapina acusava Freire de ter patenteado seu “suposto método” e vendido ao governo, sendo que nunca foi patenteado, nunca vendido. 
 
Ibiapina acreditava que havia um esquema pago da extensa publicidade da experiência de Freire, quando na verdade era os resultados surpreendentes da alfabetização de adultos, em tão pouco tempo, que atraia a atenção da empresa. Como também o interrogador implicava com o fato de tal alfabetização dispensar o uso de cartilhas, tidas por reacionárias, ao que Freire respondia que  não adotava regras rígidas, pois entendia que representavam obstáculos à inteligência do homem. E se era o diálogo o método adotado para alfabetização pelo seu método, não poderia ser imputado a ele atuação autoritária e impositiva. 
 
Em setembro, preso pela segunda vez, é interrogado no dia 16 daquele mês, e o interrogatório foi mais duro e mais curto.  Solto, Freire no mês de outubro, antes do anunciado terceiro depoimento, que seria prestado no Rio de Janeiro, exilou-se na Bolívia, onde ficou pouquíssimo tempo, pois, logo em seguida outro golpe de Estado, fê-lo seguir para o Chile, onde permaneceu por cinco anos, trabalhando para ONU, e depois permaneceu um ano em Cambridge, antes de seguir para a Suíça ligando-se ao Depto. de Educação do Conselho Municipal das Igrejas. 
 
Internacionalmente celebrado.  Recebeu 41 títulos de Doutor Honoris Causa de universidades, dentre as quais Harvard, Cambridge, Oxford. A Unesco, em 1986, concedeu-lhe o prêmio “EDUCAÇÃO PARA A PAZ”;  
 
Voltou ao Brasil, depois de 16 anos. Filiou-se ao PT e foi Secretário Municipal da Prefeitura de São Paulo, entre 1989 e 1991. 
 
Com Paulo Freire soube-se que a alfabetização rápida é possível. Só que os conservadores não querem e não podem acreditar nisso, pois, essa á a real força da transformação. 
 
Nascido em Recife em 1921, faleceu em São Paulo, vítima de um enfarte, o dia 3 de maio de 1997. 
 
Hoje, é o Patrono da Educação Brasileira. 
 
* Procurador-geral do Estado no governo de André Franco Montoro e membro da Academia Ribeirãopretana de Letras 

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