A comida e o vinho sempre estiveram presentes na história da França, desde os tempos imemoriais dos celtas, gauleses e hunos. Os gauleses, imortalizados pelas divertidas histórias de Asterix e Obelix, eram um povo beberrão e festeiro, que legou aos franceses a invenção do barril de madeira, onde guardavam sua cerveja e, posteriormente, o refinado vinho dos romanos.
Estes trouxeram o azeite como meio não só de fritura como também de tempero e os hunos ensinaram o norte da atual França a fazer o chucrute, repolho fermentado na salmoura com gim ou vinho branco e que se tornaria prato típico da Alsácia e de sua vizinha, a Alemanha.
Estas e outras estórias nos são contadas no gostoso livro “A Deliciosa História da França”, obra de Stephane Hénaut e sua mulher Jen Mitchel, recém lançado. Stephane é maitre fromagier, mestre queijeiro, especializado no produto nobre francês. Nesta curta crônica não é possível reproduzir a trajetória histórica da França, sua glória, seu legado ao mundo, seus personagens que marcaram a Europa como Carlos Magno, Napoleão, Luís XIV, Charles de Gaulle e a contribuição de cada época para a cozinha do país.
Mas, podemos falar de algumas delas. No século XIII , os cátaros habitantes do Languedoc praticavam uma forma de cristianismo que era condenada pela Igreja. Para eliminá-los, o Papa convocou uma grande cruzada católica, a qual, com requintes de crueldade, sitiou as principais cidades da região. Dentre elas, Carcasonne, a maravilhosa vila cercada por sua muralha até hoje existente. Durante o cerco, os habitantes viram escassear seus alimentos e usando da cassoule, uma panela de cerâmica, nela colocavam o que podiam encontrar, misturando-os e dando origem ao famoso cassoulet. Prato tradicional da França, depois da descoberta do Novo Mundo teve agregados feijões em seu preparo.
O queijo de cabra tem também história interessante. Quando os muçulmanos tomaram a Península Ibérica, onde permaneceram por 600 anos, decidiram transpor os Pirineus e avançar seu território pelas terras francesas. Repelidos, tiveram de abandonar as inúmeras cabras que levaram como fonte de leite e de carne, as quais passaram a vagar e procriar pelo território, permitindo o surgimento do queijo que hoje é dos mais expressivos tesouros culinários franceses.
E o livro por aí vai, cheio de surpresas. Ficamos sabendo, por exemplo, que o croissant, talvez o mais francês dos pães, tem sua origem na Áustria. O Império Turco Otomano e o Império Austro-Húngaro lutavam sempre pela hegemonia da Europa Central. Em 1683, num dos cercos muçulmanos a Viena, padeiros que trabalhavam de madrugada, ouviram as escavações de túneis por baixo das muralhas e denunciaram a tentativa de invasão, frustrando-a. Em comemoração, criaram um pãozinho em forma de meia lua (símbolo turco), que foi levado à França quando Maria Antonieta casou-se com o rei Luís XIV.
O livro nos proporciona inúmeras outras curiosidades, históricas e gastronômicas, além de dar dicas para os que forem à França: não corte o bico do queijo brie, que deve ser fatiado de lado para permitir o variado sabor do triângulo. Não corte o alface com a faca, mas sim, enrole a folha no garfo até permitir que ela seja colocada na boca. E nunca espalhe o foiegras na torrada, mas corte-o em pequenas fatias que deverão ser colocadas sobre ela.
O livro é muito prazeroso de se ler, pois alia fatos da extraordinária e gloriosa história da França, com estórias da sua fascinante gastronomia.Vale a leitura, principalmente em tempos nostálgicos como os que estamos vivendo.