A decisão mais difícil de se obter no judiciário brasileiro é a declaração da parcialidade de um juiz.
No momento desse julgamento, a impressão é de que a força imperativa da solidariedade corporativa irá arrumar um jeito de não declarar a parcialidade.
Não se compreende, afora essa presença da solidariedade, a razão do julgamento de um magistrado não ser objeto de rigor absoluto, não só pela sacralidade da função, paramentada sempre para demonstrar a distância das paixões, dos interesses contrariados, da pressão política, mas fundamentalmente porque todo magistrado está absolutamente blindado pela ordem jurídica para realizar o esforço heroico da imparcialidade.
A imparcialidade, sabe-se, é uma utopia, e sua leitura como pressuposição constitucional, de que ela assim a considera, foi o que naturalmente conduziu o legislador constituinte a continuar, como avanço civilizatório, no sistema constitucional votado em 1988: o da proteção da magistratura com essa envergadura. A novidade, na verdade, foi o perfil do novo Ministério Público, cuja vocação expansionista faz com que ele apareça no município como autoridade concursada, igual ou superior à autoridade eleita pela soberania do voto, numa contaminação grave do sistema representativo.
Essa ideia da carreira de Estado, como a magistratura, estar totalmente blindada pela Constituição foi objeto de análise do advogado Felipe Costa Rodrigues, num singelo e importante artigo veiculado no portal de notícias Migalhas, no dia 19 de julho de 2019, sob o título “A imparcialidade do juiz: o que diz a constituição”.
Ele se refere aos predicados da magistratura, ou seja, a inamovibilidade, para garantir que o juiz seja mantido no lugar onde esteja, sem poder ser removido e sem pressões; o direito à irredutibilidade de sua remuneração, a fim de garantir seu esforço para cumprir o dever de imparcialidade; e o direito à vitaliciedade, para que durante todo tempo de seu serviço seja remunerado dignamente.
Até os Poderes, e melhor seria qualificá-los pelas funções executiva, legislativa e judiciária, estão sob o princípio constitucional e federativo da separação e harmonia entre eles, o que comparece como fator defensivo da imparcialidade.
Essa reflexão a respeito da imparcialidade do magistrado segue na pista da decisão do ministro Fachin, do Supremo Tribunal Federal, que anulou os processos que condenam o ex-presidente Lula, e que teria o condão de julgar prejudicado o habeas corpus, processo com outro relator, que deve julgar a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro.
A nulidade dos processos estava evidente, desde sempre, porque o foro competente para processar e julgar o ato considerado criminoso é o foro judicial no qual o ato foi praticado. E essa nulidade é absoluta. Se a defesa não invocá-la, como o fez desde sempre, o juiz no seu dever de imparcialidade deve declará-lo de ofício, sem nenhuma provocação. É matéria de ordem pública.
Por isso nunca passou pela compreensão dos advogados que o processo do apartamento triplex do Guarujá tenha sido enviado à Curitiba, sem que o Ministério Público paulista tivesse recorrido da decisão, porque a matéria de competência de foro é matéria de ordem pública, repita-se.
Nessa perspectiva também não se compreende o porquê dos processos da famosa Lava Jato terem tido como foro o de Curitiba, porque a sede da Petrobrás é a da cidade do Rio de Janeiro.
Entretanto, mais importante do que essa matéria de ordem pública, e que precede a ela, é a matéria relativa à suspeição do juiz, por sua parcialidade.
Nesse contexto, se o objeto do habeas corpus relativo à parcialidade fica prejudicado, como não se espera, em vista da profusão de desvios e abusos cometidos, o juiz Sérgio Moro, que patrocinou a perseguição e condenação seletiva, há tempo desventradas, ficará impune até a reabertura eventual da matéria em cada processo, se acatada a prova feita por ele, mesmo que seu cargo e sua função tenham servido de rampa de lançamento para que ele recebesse, como prêmio indevido, o ambicionado Ministério da Justiça de um governo que se iguala a ele.
Esse transplante de decisão quanto à parcialidade, para outro momento processual, e para outro juiz, agride o comando constitucional de um tempo razoável para a prestação jurisdicional efetiva.
Nessa lógica do juiz poder aceitar, ou não, a prova já produzida nos processos anulados, só ela, imporia a decisão imediata sobre a parcialidade do magistrado, se não houvesse, como há, a precedência desse julgamento em relação ao da competência de foro, que é de ordem pública.
Ainda recorda-se que faz cinco anos de constrangimento ilegal contra alguém, contra quem o processo não deveria existir naquela comarca, e era dever do juiz declarar sua incompetência jurídica, e não o fez. Mais uma a prova escancarada de perseguição seletiva.