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A cruzada das crianças

Lendas medievais do século XIII falam da cruzada que teria levado milhares de crianças da França e da Alemanha em direção à Jerusalém, durante o pontificado de Inocêncio III, considerado o mais importante Papa da Idade Média. Este é o tema do livro A Cruzada das Crianças, de autoria de Marcel Schwob, publicado originalmente em 1896 e agora reeditado no Brasil. Schwob é natural da França, onde teve a melhor formação educacional, sendo considerado um dos maiores intelectuais de sua época. Morreu aos 37 anos, mas legou-nos várias obras mar­cantes da cultura francesa, dentre elas o livro em referência.

Usando uma abordagem original, fala através de pesso­as que participaram da cruzada ou com ela interagiram. E conta-nos que crianças daquelas duas nações começaram a se dirigir a Marselha e Gênova, atravessando o continente euro­peu, em busca de vencerem o Mar Mediterrâneo e continua­rem sua jornada em direção à Cidade Santa, então em poder dos muçulmanos.

O que movia a multidão de meninas e meninos era a crença de que conseguiriam retomar a cidade com a simples manifes­tação de sua fé. Aumentando dia a dia sua presença nos dois portos, as autoridades teriam mandado zarpar navios que os deixariam na margem asiática do Mediterrâneo. Metade mor­reu durante tempestades, sem jamais alcançar a possibilidade de caminhar até a Terra Santa. Outra parte foi capturada pelos árabes e transformada em escravos.

Até hoje não se conseguiu provar a autenticidade da lenda. Alguns estudiosos dizem que um erro de tradução do latim confundiu crianças com pobres (puer em latim clássico é criança, mas no latim vulgar pode­ria ser usado também para se referir a pessoas muito pobres e carentes) e a cruzada teria mesmo existido, sua história teria sido real, mas seus componentes adultos. De qualquer forma, o trabalho de Schwob, aborda importante tema medieval que são as lendas orais que sobreviveram até hoje.

É muito interessante aos que gostam deste período históri­co, estudar estes relatos fantasiosos. Uma das mais brilhantes obras de Umberto Eco trata deste tema com maestria. Em seu livro Baudolino, Eco conta a estória de um homem que busca vivenciar todas estas lendas. Considerando-se o maior men­tiroso de todo o mundo , vai narrando sua participação nas lendas europeias e asiáticas. Ao contrário da obra de Umber­to Eco, que é irônica e irreverente, o trabalho de Schwob é sé­rio. Eco não está comprometido com a verdade, somente com a narrativa de belas estórias. Nosso autor aborda a lenda com respeito e procura narrá-la com a maior veracidade possível.

Na boca de Inocêncio III, o autor coloca o sentimento de culpa por não conseguir deter a cruzada, sua preocupação com a alma das crianças e seu horror de ver seus súditos cativos do Islã. Já as crianças narram o entusiasmo de perseguir seu desti­no e a fé de que, inocentes, haveriam de derrubar a resistência moura. Em nenhum momento fraquejam em seu propósito e se auxiliam mutuamente na caminhada. Já as autoridades se preocupam com a quantidade de meninos e meninas que inva­dem suas cidades, desorganizando o fornecimento de comida e de locais para o descanso noturno, o que teria agilizado o processo de enviá-los através do Mediterrâneo.

Termina com os pensamentos do Papa Gregório IX, que su­cedeu à Inocêncio, mais interessado em culpar o Mar Mediter­râneo pela morte das crianças. Trata-se de um pequeno livro, diferente, muito bem organizado e escrito, que embora surgido no final do século XIX, vale a pena ser lido nos dias de hoje para nos dar uma ideia dos pensamentos e as motivações de uma época que foi fundamental para a nossa civilização cristã.

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