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A crise de governança

Crise econômica, com desemprego de 15 milhões de pessoas e um estado de deflação, com dois trimestres de PIB negativo; crise sanitária com milhões de brasileiros mortos e contaminados pela pandemia da covid 19; crise política, com a gaveta cheia de reformas desviadas e aprovação de orçamentos secretos; crise social com as margens recuan­do para a base da pirâmide e cenas de desmaios por fome nas filas de postos de saúde; e ameaça de crise hídrica por falta d’água nos reserva­tórios. Esse é um retrato 3 x 4 do país.

A verve de Roberto Campos apontava dois traços característicos da psique de Países em desenvolvimento: a ambivalência e o escapismo. É ambivalência querer equacionar o descontrole em controlar os contro­ladores. Aprova-se uma PEC dos Precatórios, sabendo-se que o preço político foi alto. Até o PT votou a favor.

É escapismo argumentar que as crises se devem às circunstâncias. Na verdade, as coisas erradas são patrocinadas por um Governo, cuja leniência torna-se cada vez mais patente ante a escalada de desvios e ile­galidades violentas que se abatem sobre a sociedade. O espaçoso terreno público se apresenta todo esburacado.

Pergunta de resposta previsível: por que a máquina estatal é ineficaz na implementação de suas políticas? Porque o desempenho dos gestores é movido por interesses alheios ao bem-comum e desprovido dos com­ponentes inerentes à prática da administração pública: planejamento, transparência, probidade, controle e responsabilidade.

A improvisação campeia na malha administrativa, a partir do instante em que os comandos das estruturas são reservados a representantes de grupos e partidos. O PP e os outros partidos do Centrão fatiam a máquina administrativa. Cada qual organiza, ao bel prazer, a concepção e a ordem das ações a serem desenvolvidas, solicitando às áreas jurídicas e contábeis que ajustem as contas nos termos da legislação.

Dessa forma, orçamentos são engolidos em projetos feitos sob pressão de grupos e em programas superficiais. Se a gestão tem sabor político, é natural que os dirigentes concentrem as decisões, evitando perder força. Explica-se desse modo como o foco político amortece o foco técnico na miríade de pequenas, médias e grandes estruturas dos três entes federativos.

E, para evitar especulações e denúncias, impõe-se rígido sigilo, razão pela qual, mesmo sob a Lei de Responsabilidade Fiscal, os gestores omitem informações e escamoteiam dados. O STF impõe transparência dos autores de emendas parlamentares, mas os dribles são frequentes. Resultado: entre 30% a 40% dos orçamentos são despendidos em ações inócuas.

O pano de fundo que agasalha os maus gerenciadores é a impunidade. Sabendo que, mais cedo ou mais tarde, serão inocentados, arcam com o ônus da improbidade, transferindo-o para a avaliação aos Tribunais de Contas. Calcula-se que cerca de 70% dos 5.570 municípios enfrentam problemas com a Lei de Responsabilidade Fiscal. E assim a cultura personalista toma assento na administração, expandindo a violação de normas, contribuindo para a ausência de parâmetros regulatórios fixos e confiáveis e fortalecendo o pretorianismo, a lei do mais forte.

Abre-se, a partir dessa lógica, uma crise de governança e não de governabilidade, como alguns entendem, porquanto o sistema político, a forma de governo e as relações entre os Poderes, mesmo operando em um complexo desenho institucional como o nosso – federalismo, presidencialismo, bicameralismo, representação pro­porcional, voto majoritário, pluripartidarismo – chegam a esmore­cer, mas não matar a democracia.

Em suma, o Brasil está patinando no mesmo lugar. Índice de reno­vação de lideranças, 2, numa escala até 10. Índice de meritocracia na máquina pública, 3; índice de reforma política, 3; índice de corrupção, 8; índice de responsabilidade e boa gestão, 2; índice de qualidade nos serviços públicos, 4. Cada um que dê a sua nota.

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