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A criminalização da docência

Queiramos deixar na coluna dessa semana todo o nosso apoio e solidariedade ao amigo Misael Dentello, professor de História da Rede Municipal de Ensino de Ribeirão Preto. Ele exerce o magistério com dedicação e competência no CEMEI Eduardo Romualdo de Souza, onde eu também já fui professor, e na EMEF Neusa Micheluti Marzola, onde fui diretor. O Misael é apenas mais um dos alvos do atual movimento de perseguição e crimi­nalização aos professores em nível nacional. Tempos obscuros em que o ataque também às ciências humanas e à intelectualidade são alvos constantes de um projeto de poder e de governos que visa o desmonte da educação pública e o fim da carreira docente. Agora, os néscios de todas as matizes encontraram um líder, um representante, e por isso se sentem empoderados como nunca.

Imaginem que se todas as discussões em sala de aula fossem parar na polícia, como fez um pai de aluno do professor. Nem se­quer procurou o professor ou a direção da escola. E, não contente com esta atitude policialesca, faz questão de levar o caso para a mídia. Exposição desnecessária do professor, criminalizando-o também nas redes sociais por causa de suas opiniões e posições políticas de todos conhecidas e respeitadas. Exposição pior ainda do próprio filho, um caso para o Conselho Tutelar analisar. O fato ocorreu na mesma escola onde faleceu um aluno, vítima do sucateamento dos espaços escolares por parte da Prefeitura. E não vimos este pai de aluno denunciando as condições precárias da escola de seu filho. Mas prevalece a perspectiva moralista, típica do movimento “Escola sem partido”.

O Misael não é caso único. Em Ribeirão, nosso consagrado es­critor de literatura infantil foi execrado por causa de suas opiniões políticas em uma academia literária. Outro reconhecido autor de obras infanto-juvenis tem proibida a leitura de um dos seus livros em uma tradicional escola do Rio, porque falava mal da ditadura militar. Vivemos tempos em que o culto à ignorância fomenta os tribunais de difamação e linchamento de educadores.

“O fato é grave porque simboliza tempos obscurantistas, em que as pessoas se julgam no direito de julgar e criminali­zar as pessoas, provocando danos irreparáveis. Tristes tempos de uma sociedade do espetáculo, no qual muitas pessoas, diante do acesso às redes sociais, não medem as consequên­cias de seus atos”, afirma a nota da Associação dos Profissio­nais da Educação em solidariedade ao Professor Misael.

É necessário ir a fundo na compreensão destes fatos. O movimento “Escola sem partido” propõe uma lógica discursiva na qual deveria existir uma neutralidade do conhecimento e dos sujeitos na educação. Trata-se, em um contexto mais amplo, de uma perspectiva de construção de uma escola do pensamento único, pautada pelos parâmetros da racionalidade técnica e que vem ganhando força e adesão nos últimos anos. É uma educação que tem como finalidade atender aos interesses de quem vislum­bra a formação humana em função única da lógica do mercado e que, para isso, amplia mecanismos de controle e padronização das práticas educativas. O que aconteceu no CEMEI se encaixa perfeitamente nessa lógica.

As entidades do magistério denunciaram recentemente um post da página daquele movimento no Facebook, ins­truindo mães, pais e responsáveis a “acompanhar as posta­gens dos professores” nas redes sociais para saber se seu filho está sendo “vítima de militantes disfarçados”. É inacreditável. Foi exatamente o que fez o pai de aluno do CEMEI.
O post escancara a verdade da perseguição ao magistério, que escapa das salas de aula e atinge até a vida privada dos docentes, num cenário de censura e repressão que encontra eco em uma verdadeira caça às bruxas da idade média europeia que se esten­deu aos regimes fascistas do século XX e até aos países democrá­ticos, como no caso do Macarthismo nos Estados Unidos. Tristes tempos em que há uma política e campanha para criminalizar e tornar a educação um caso de polícia e os docentes, criminosos.

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