Adalberto Luque
O gráfico aposentado recebeu uma mensagem de sua filha por meio do aplicativo WhatsApp: “Oi, pai. Esse é meu novo número. Apaga o anterior”. A foto era a mesma da filha, embora o DDD fosse 11 e não 16. Mas seu genro já tinha trabalhado em São Paulo, então não desconfiou. Por dois dias, trocaram mensagens. A suposta filha mandava fotos com passagens bíblicas e de otimismo.
Até que veio a pergunta: “Pai, estou com problemas. Preciso passar um Pix para pagar uma dívida e meu banco bloqueou. Você pode me ajudar?” A conversa evoluiu e o aposentado, que não tinha familiaridade com o celular, ficou nervoso. Ela pediu R$ 6 mil. Ele só conseguiu enviar R$ 2 mil, em duas vezes.
Ela enviou então um boleto, que deveria ser pago somente em casa lotérica. Ele correu lá e pagou. Depois foi a um dos bancos onde tem conta e exigiu que passassem o Pix de R$ 4 mil. Lá ele só tinha R$ 3 mil na conta. Mandou. Foi até o outro banco onde também tem conta e mandou os R$ 1 mil que faltavam para a suposta filha.
Depois a foto da filha desapareceu no número que estava no arquivo de seu celular. Mandou mensagens que não foram lidas. Demorou alguns dias para perceber que havia perdido R$ 6 mil e mais o valor pago no boleto, de R$ 832,30.
Esta foi mais uma das milhares de fraudes registradas no Brasil diariamente.
Durante 2022, o Brasil registrou 5,6 milhões de tentativas de fraudes no período de 1º de janeiro a 31 de dezembro, de acordo com o Mapa da Fraude da ClearSale, empresa especialista em soluções de prevenção e gerenciamento de risco. Isso totalizou R$ 5,8 bilhões em ações fraudulentas.
Mas, segundo a advogada Larissa Marcelle Hyppolito, da Hyppolito Advocacia, algumas fraudes registram maior incidência de prática e, consequentemente, de vítimas. Especializada em direito do consumidor, com ênfase em direito bancário, Larissa atua na cidade de São Carlos, mas tem clientes em todo o estado, inclusive vários de Ribeirão Preto e região. “No último mês, prestamos atendimento a 95 vítimas de diferentes tipos de golpe”, revela.
Os mais comuns, segundo a advogada, são o “Golpe do Intermediário”, “Golpe do Investidor”, “Golpe do Trabalho”, “Golpe do Boleto Falso”, “Golpe do Parente” e “Golpe do Atendente de Banco”.
Golpe do Intermediário
Também conhecido por “Golpe da OLX”, plataforma de venda de artigos novos e usados pela internet, o golpista identifica uma oportunidade e replica o anúncio, geralmente com valor menor que o anunciado originalmente. De um lado, ganha a confiança do interessado na compra. De outro, ganha a confiança de quem quer vender. Intermedia, sempre recomendando que não entrem em detalhes sobre o que cada parte combinou com o golpista.
No dia da entrega, o golpista recebe o pagamento por parte do comprador e envia um comprovante falso para o vendedor, para que esse proceda à entrega do produto.
Nesse caso são feitas duas vítimas: o vendedor, que está anunciando o produto e o comprador, que paga o valor da oferta ao golpista.
Golpe do Investidor
O golpista invade uma conta de rede social e anuncia uma oportunidade de investimento com alto retorno em curto tempo. A vítima, acreditando estar investindo na recomendação do amigo, realiza a transferência dos valores.
Golpe do Trabalho
O golpista entra em contato oferecendo um trabalho através de plataformas virtuais, geralmente envolvendo divulgação de produtos e serviços em plataformas de venda. Após ganhar a confiança da vítima, o golpista informa que é necessário investimento inicial para começar no trabalho, e, posteriormente, solicita outros investimentos para resgatar os investimentos anteriores, sendo, na verdade, todas as transferências direcionadas aos golpistas.
Golpe do Boleto Falso
A vítima recebe um boleto falso, adulterado de uma conta habitual ou de alguma compra realizada. Há variações como de falsas multas de trânsito. O golpista fotografa o veículo da vítima em um semáforo e manda uma multa, com código de barra direcionado para ser recebido pelo fraudador. Muitos pagam sem perceber a fraude.
Golpe do Atendente de Banco
O fraudador se identifica como funcionário do banco onde a vítima tem conta. Diz que o banco identificou uma transação suspeita na sua conta e, por questões de segurança, tem que fazer um “procedimento” na sua conta. Conquistada a confiança, o golpista faz a pessoa instalar um aplicativo de acesso remoto no celular, invade o aparelho da vítima e realiza diversas transações. Há uma variação desse golpe, onde a informação sobre a transação suspeita é enviada por mensagem SMS e é informado um número de telefone 0800 para que a vítima entre em contato, tornando a situação ainda mais crível.
Golpe do Parente
Também conhecido por “Golpe do WhatsApp”. Foi o que aconteceu com o gráfico aposentado citado no começo da reportagem. O golpista entra em contato com a vítima informando que mudou de número e informa que, por alguma emergência, precisa que a vítima envie determinado valor.
Diversidade de fraudes
Os golpistas estão sempre criando novos golpes. Há uma diversidade de fraudes abusando da boa-fé das pessoas e aumentando o número de vítimas a cada dia. Larissa atua na recuperação dos valores perdidos pela vítima. Neste caso, o foco é responsabilidade das instituições bancárias e plataformas de venda ou redes sociais e, mesmo que o fraudador não seja identificado, acaba por não interferir no andamento do processo na esfera cível.
“Acredito que as razões para as fraudes ocorrerem são diversas, mas considero que as principais sejam o vazamento de dados pessoais que permitem aos golpistas ter acesso aos dados de terceiros para abertura de contas falsas; falhas de segurança nas instituições bancárias no momento da abertura de contas, que permite a criação de contas ‘laranjas’ e, por parte das vítimas, acredito que a falta de familiaridade digital seja causa para uma minoria das ocorrências. A grande problemática tem sido os discursos e formas de atuação dos golpistas que têm se tornado cada vez mais complexos e convincentes”, observa.
Pessoas que concordam em “emprestar” contas bancárias para receber quantias e ser pagas por isso também devem ficar alertas. Segundo Larissa, em se tratando de recebimento de valores relacionados a golpes, a pessoa pode ter problemas com a Justiça. “A pessoa que conscientemente cede a conta para servir de ‘laranja’ nestes golpes está sujeita a investigação criminal, podendo ser processada por crimes como associação criminosa e furto qualificado mediante fraude, a depender de cada caso.”
E, para todas as situações abordadas, é fundamental registrar a ocorrência e fornecer o máximo de informações, como chave de Pix utilizada, hora e data da transação, nome que apareceu na transação, banco de origem e de destino, perfil em redes sociais e demais plataformas. O registro, inclusive, pode ser realizado online. Isso evita ainda mais aborrecimentos.
Dicas importantes para identificar e evitar a fraude
– Não negocie ou realize pagamento a terceiros;
– Não omita informações a quem detém um produto;
– Não confie em comprovantes recebidos. Confira sempre se o valor consta em sua conta bancária;
– No caso de investimentos, confira com o amigo, parente ou familiar que está oferecendo a oportunidade através de ligação telefônica ou, principalmente, por chamada de vídeo, para confirmar a veracidade da oportunidade;
– Confira se a empresa que oferece emprego tem CNPJ ou reclamações em sites especializados;
– Se está negociando com uma empresa, não transfira valores para contas de pessoas físicas;
– Desconfie de oportunidades de trabalho que exijam pagamento prévio de algum valor;
– No caso de boletos, confira sempre o beneficiário da transação antes de finalizá-la;
– Não pague boletos recebidos por canais diferentes do habitual, como outros e-mails ou números de telefone desconhecidos;
– Nunca compartilhe seus dados ou de sua conta bancária por telefone, mensagem ou com pessoa que alegue ser funcionário do banco. A instituição financeira jamais vai pedir os dados de acesso de sua conta por esses canais;
– Sempre que precisar contatar seu banco, checar os canais de atendimento oficiais, como SAC, fale conosco, aplicativo oficial etc.
– Se receber mensagem sobre um novo número, entre em contato com a pessoa pelo número oficial ou outros meios de contato para checar se ela realmente está pedindo a transação;
– Caso não consiga contatar por outros meios, peça para realizar chamada de vídeo para confirmar a identidade.