Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves *
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A proposição de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Vereadores de São Paulo, para apurar a atuação do Padre Julio Lancelotti junto aos moradores de rua soa como um engano. Engano maior, no entanto, é abortar a investigação depois de tê-la anunciado, seja por razões políticas, ideológicas, religiosas ou pessoais. Uma vez levantada a questão, o caminho plausível é receber o religioso e ouvir o que ele tem a dizer após tantos anos de contínuos e relevantes serviços dedicados com amor e abnegação à parcela mais carente dos moradores de nossa capital.
Não se trata de uma efetiva investigação, mas de oportunizar aos 55 vereadores e à comunidade paulistana o conhecimento do empreendimento e, na medida do possível, usar a força do Poder Legislativo para adotar a experiência do sacerdote a solução dos possíveis gargalos e imperfeições, porventura presentes no trato da causa social. Dependendo do apurado, a população de rua poderá restar melhor atendida e assistida.
Com seu conhecimento e experiência adquiridos no seu sacerdócio social, o padre Lancelotti teria muito a dizer aos vereadores e às forças influentes do município . O simples relato do que já fez, dos resultados e até do que pode não ter dado certo em todo esse tempo de atuação, constituirá poderoso exemplo e baliza para os demais serviços sociais e ONGs (organizações não governamentais) dedicados ao socorro dos desvalidos.
A cultura do período seria capaz de despertar idéias e projetos junto aos vereadores e aos mentores do trabalho social. E o resultado seria a melhor assistência e encaminhamento dos carentes, que se encontram nessa situação, não por vontade própria, mas em decorrência de fatores conjunturais. Abrir mão de ouvir o notório religioso-social não contribui para o avanço da sociedade e a solução das desigualdades.
O Poder Público – principal interessado na solução dos problemas sociais do povo – tem o dever de interessar-se pelas questões e, na medida dos possível, participar das soluções. O trabalho social – como o do padre Lancelotti – é um importante coadjuvante que, sem as amarras burocráticas da máquina pública, pode identificar as dores do povo e encaminhar sua minimização. Ações que a Prefeitura, as repartições sociais e assemelhadas são perfeitamente possíveis e até desejáveis dentro da organização social.
A CPI da Câmara, se for instalada, poderá não só ouvir a vasta expediência do padre, mas apurar, inclusive, suas possíveis dificuldades de relacionamento, principalmente no tocante aos que lucram com a miséria do povo e sentem-se incomodados com a ação social da igreja e seus membros. O problema social existe e precisa ser enfrentado em todas as suas vertentes para que, a cada dia, mês ou ano que passam, o número de necessitados seja menor ou, pelo menos, que eles não sejam os mesmos do período anterior. O cidadão ou a família ser obrigado a habitar ao relento é um imenso trauma e incomensurável risco à saúde e à dignidade humana. Socorrer essas vítimas das circunstâncias é, acima de um trabalho social, uma ação de cunho cristão.
Se ainda houver tempo, os vereadores não devem perder a oportunidade de trazer o padre Júlio Lancelotti para dentro da CEI e ouvir o que ele tem a dizer. Seus anos de atuação social, no mínimo, servirão para trazer novos subsídios à atuação parlamentar e, com toda certeza, tornará o nosso Legislativo mais preocupado e ativo em relação aos homens, mulheres e crianças que sofrem pelas ruas da cidade. Conheço essa importante figura que o catolicismo legou a São Paulo desde os tempos em que atuava socialmente pelos moradores da Zona Leste, ao lado de Plinio Arruda Sampaio. Ouvi-lo só poderá fazer bem…
* Dirigente da Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo (Aspomil)