Alguns assuntos da vasta área ambiental eu devoto verdadeiro carinho. Um deles é o das matas ciliares. Nada me parece mais acolhedor em saber que a vegetação que se desenvolve às margens dos rios tem como objetivo principal protegê-los. As plantas ajudam a manter o volume e a boa qualidade das águas. Seja do alto de uma montanha, onde um riacho esperto escorrega por pedras lisas, seja numa planície onde um gigantesco Amazonas leva grandes embarcações, ali estão as matas ribeirinhas, conferindo um aconchego às águas que se vão.
Os versos de Dori Caymmi e Fernando Pessoa me ajudam no que quero dizer: “Na ribeira deste rio / Ou na ribeira daquele / Passam meus dias a fio / Nada me impede, nada me impele / Me dá calor ou dá frio/ Vou na ribeira do rio/ Que está aqui ou ali/ E do seu curso me fio/ Porque se o vi ou não vi/ Ele passa e eu confio”.
Pois lhes digo, Dori e Pessoa, dá mais calor do que frio. Quando entramos numa mata de galeria, o clima é mais úmido e quente, onde o solo está encharcado e repleto de galhos, folhas e frutos que estão sendo transformados em rica matéria orgânica pela ação dos fungos e dos microorganismos. Esse intenso metabolismo gera calor.
Muitas sementes são trazidas pelo próprio curso d’água ou defecadas pelas aves. Além delas, morcegos e insetos fazem a polinização das flores. Felinos, primatas, ofídios e quelônios também habitam essas florestas de fundo de vale.
Destaque deve ser dado às pererecas, rãs e sapos que dependem de ambientes úmidos para a reprodução, pois o encontro dos gametas ocorre na água ou em solo muito encharcado. Após a fecundação, a fase “girino” da vida só é possível em áreas brejosas. Quando jovem, o sapo ganha seu passaporte para a terra firme.
A água que passa pelo leito do rio gera um som gostoso e calmo que nos remete ao sentimento de harmonia. Com o volume aumentado pelas chuvas, fica-se a imaginar o mundo turvo dos peixes, pois muitos sedimentos adentraram àquele ambiente aquático. Como será o trânsito dos peixes?
Às vezes rios namoram ilhas, como na vinheta de Hermeto Pascoal: “Eu vou contar uma história muito antiga/ Daqueles tempos do Brasil Colonial/ De uma ilha mais bonita que a aurora/ E do correio lá do litoral/ O rio de Iguape que chegava a Cananeia/ Namorava uma ilha/ Lá Serra da Jureia”.
Após visitar Iguape e conhecer a foz do famoso rio paulista, quis prestar minha homenagem ao Ribeira de Iguape, e fiz este poema:“Rio Ribeira/ Paralelo ao mar/ Define banco de areia/ Uma restinga/ Um manguezal/ Em águas salobras/ É provável o robalo/ O Iguape é um poema/ É também meu canto/ À beira-mar/ Rio vivo e misterioso/ Água em largo leito/ Cardumes em trânsito/ Um mergulho impreciso/ Pois você é pura margem/ E termina seu curso/ Onde descalço preocupação/ Forma-se a barra, a ribeira/ Areia, beira-areia/ Entrega-te, Iguape, à imensidão”.
E onde estamos sendo sacanas com as matas ripárias? 1) Excesso de agrotóxicos e fertilizantes quechegam aos rios. 2) Incêndios provocados e sem controle no período de estiagem. 3) Desmatamentos & Impunidade Brazil Corporation. 4) Inação do Estado, posto que a legislação de áreas de preservação permanente (APP) está vigente desde 1965. 5) Erosão dos solose assoreamento dos leitos provocados por agricultura refém de insumos e máquinas e não baseada nos ciclos naturais. 6) Introdução e disseminação de espécies exóticas.
Mas não quero estragar nosso passeio. A intenção hoje é trazê-los comigo para as beiras de belos rios, pois nosso dia a dia no Brasil está triste e revoltante. E nesse passeio podemos ainda levar no nosso embornal Jobim e Rosa: Águas de Março e A terceira margem do rio. Melhor companhia, não há, lhes garanto!
Fie-se nas águas frias de um riacho da Mantiqueira e saiba que a vegetação que lhe protege está lá, assim como em nós estão as soluções, as curas e os propósitos. Parafraseando Gilberto Gil na canção “Luar”, ouso cantar: “Dos rios/ Dos rios não tenho mais nada a dizer/ A não ser/ Que nós merecemos estar em suas margens”.
Este artigo é dedicado à minha colega de trabalho – hoje amiga –, bióloga e educadora ambiental, Dalila Cisneiros Lopes Marsola.