Tribuna Ribeirão
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A carta roubada

 

Sérgio Roxo da Fonseca *  
[email protected] 
 
Nos dias de hoje quando a intimidade das pessoas e os seus arquivos são devassados sem qualquer dificuldade, vem à memória o extraordinário conto do norte-americano Edgard Allan Poe batizado com o nome de “A Carta Roubada”. 
Trata-se de um texto que serve de espelho para identificar situações críticasfantasiadas pela visão nem sempre limpa do homem comum que tem, muitas vezes,enorme dificuldade para enxergar o que está vendo à sua frente. Vamos ao conto. 
O detetive Dupin, que reside em Paris, épersonagem principal da narrativaPor volta dos anos de 1800, o detetive recebe a visita do delegado chefe, quemuito esbaforido, informa que não aonão consegue encontrar uma carta roubada de grande interesse político. Os fatos ocorrem num tempo em que as comunicações secretas ainda eram transmitidas pela palavra escrita. 
O delegado estava ali para solicitar a atuação de Dupin, no sentido de encontrar a carta roubada, seguramenteescondida numa biblioteca que já foi virada e revirada por ele mesmo sem localizá-la.O delegado promete ao detetive uma enorme recompensa se a sua investigação der certo.. 
O detetive, em pouquíssimo tempo, descobre onde se encontra a carta, levando-a para sua casa. O delegado volta a visitá-lo e a carta lhe é entregue, em troca da recompensa prometida. O objetoperdido foi achado. O delegado acrescenta que quando lá esteve revistou todas as gavetas, todas as páginas dos livros, debaixo de todos os tapetes, nãoencontrando o documento em lugar nenhum. Onde estava oculta a carta oculta?  
Dupin responde que não teve nenhuma dificuldade para cumprir a tarefa. Assim que entrou na sala da biblioteca notou que sobre a mesa principal estava depositado um porta-cartas 
Teve, diz ele, apenas o trabalho de abrir o porta-cartas encontrando em seu interior a carta escondida. Onde se oculta uma carta roubada? Resposta, certamente no porta-cartas, onde ninguém irá procurá-la. O esconderijo não é essencialmente um esconderijo. Assim se converte pela vontade do homem.  
É desnecessário acrescentar que qualquer palavra para transmitir a genialidade de Poe será inútil. Muito embora dotado de impressionante capacidade criativa, teve uma história de vida reconhecidamente dolorosa. É possível que, por isso mesmo, conseguiu transmitir tantas inesquecíveis lições. Uma delas, como no caso, teve como objeto uma carta roubada escondida em um porta-cartas. 
Seguindo seu exemplo, várias universidades, ao procurar e identificarseus extraordinários e futuros pesquisadores, ensinam aosalunos que todas asinvestigações – ou quase todas –começam nseu começo, método utilizado por Dupin para imediatamente encontrar a carta oculta. 
Há necessidade de ter paciência para decifrar a realidade. “Paciência” é um vocábulo gerado de um verbo latino que, de tanta irregularidade, arrepiava e punha de pé os cabelos dos alunos por volta da metade do século XX.  
O verbo irregular era o “pati” que se traduzia por “sofrer”. O verbo “pati” gerou, como se sabe, a palavra “patíbulo”, local onde os condenados eram executados.  
Mas o verbo “pati” também gerou a palavra “paciência” que, originariamente, significava a virtude daqueles que sabiam sofrer. Ou perto disso. 
Afirma-se, com bastante certeza que determinadas pessoas extraem da sua amarga paciência a chave perdida de sua inteligência ou de sua criatividade, passando a desvendar e a enxergar quase nenhum mistério que oculta a existência humana. 
 
* Promotor de Justiça aposentado e advogado 
 
 
 

 

 

 

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