Recebi, no meu Zap, um texto escrito pela jornalista, cantora e escritora Rosane Queirós, que me fez voar pelo desconhecido. Quando isso acontece fico fora do ar por algum tempo, imaginando por onde andou o pensamento do compositor no momento da criação. Ela escreveu sobre a musa de Gilberto Gil, na sua maravilhosa composição “Drão”, que muitos confundiam com grão, inclusive eu. Isso porque, na letra, o compositor escreveu sobre o trigo que tem que morrer pra germinar, morre e nasce trigo, morre e nasce pão. “Drão” é o apelido de Sandra Gadelha, terceira mulher de Gil, que já vinha de dois casamentos, sendo Nana Caymmi a segunda.
Quem colocou o apelido de “Drão” em Sandra foi Maria Betânia, elas moravam perto e por ali rolava os encontros da turma da tropicália, que depois veio para o Rio de Janeiro. Gil usou “Drão” nas rimas de grão e “os meninos são todos sãos”. Adoro essa música e não entendia as palavras, cama de tatame na letra. Depois que li o livro de Rosane Queirós sosseguei, o casal gostava de dormir em cama de tatame.
Outro compositor que me faz voar é Dorival Caymmi. Dificilmente visitava sua Bahia cantada por ele em dezenas de músicas, porque, como Tom Jobim, morria de medo de avião. A coisa piorou quando, num voo pra Nova York, Tom Jobim lhe confessou temer o pássaro de aço. E ainda brincava, falando sério: “Caymmi, o defeito é aqui em cima, mas a oficina é lá embaixo”, o parceiro arregalou os olhos temeroso (rsrs). Tom sempre repetia isso pros amigos.
Tom comprou um enorme apartamento em Nova York, pois suas músicas despertaram interesse. E assim permaneceu por lá muito tempo divulgando sua obra, gravando com Frank Sinatra e outros bambas. Mas sentia falta dos amigos de copo e de papo e deu um toque pro Dorival Caymmi passar um tempo com ele. O baiano, apesar do medo, encarou a máquina voadora e foi. Porém, muito sossegado, esqueceu de voltar. Passados seis meses, segundo seu filho Danilo, a esposa, muito revoltada, deu-lhe uma enquadrada daquelas, tipo ultimato. O velho compositor tremeu na base e vazou de volta pra terra do sol.
Danilo, seu filho, na mesma entrevista, foi perguntado por que seu pai demorava tanto pra compor uma música e em que se inspirava? Respondeu que seu velho sempre dizia que se fosse pra fazer porcaria, fazia dez músicas por dia, mas ele compunha para várias gerações e se inspirava no cotidiano. Citou como exemplo o delicioso samba que canto e gosto, “A vizinha do lado”. Ele tinha uma vizinha bonitona, de ancas largas que quando varria sua calçada rebolava pra cá e pra lá. O galeio que ela dava na vassoura fazia com que suas ancas fizesse um movimento sensual, daí a cabeça do compositor virou um paraíso turístico.
Outra dele. Por demorar pra compor uma música, Caymmi ganhou fama de preguiçoso. O compositor Roberto Menescal contou, numa entrevista, de quando Caymmi estava compondo “Maracangalha”, um samba delicioso. Ele mostrou para sua turma de velhos boêmios cariocas, a letra é pequena, e chegou a hora de finalizá-la. Ele empacou na parte que diz “Se a Anália não quiser ir eu vou só, eu vou só, eu vou só…”
E a turma que gostou do samba, sempre lhe cobrava: “E aí, Caymmi, acabou o samba?” Ele abria aquele enorme sorriso e dizia: “Não, ainda estou naquela parte do ‘eu vou só’…” O tempo passava e nada da música ser terminada. Todas as vezes em que ele chegava na roda dos amigos, a cobrança era geral, até que chegou ao ponto de ele perder a paciência, tomando uma decisão de macho, e tascou essa: “Querem saber de uma coisa? É agora que acabo essa música”. Pegou o violão, fez cara de bravo e mandou ver: “Eu vou só, eu vou só, eu vou só sem Anália…” Parou, olhou pra todo mundo, riu e finalizou… “Mas eu vou”. Os amigos adoraram.
Sexta conto mais.