Alcides Arguedas (1874-1946) foi um escritor boliviano interessado nas questões de identidade nacional, miscigenação e indigenismo de seu país. Graduando-se em Direito e Ciência Política, iniciou seu trabalho em jornais e revistas de La Paz, chegando a editor-adjunto do jornal católico espanhol El Debate, em 1915, veículo de imprensa mais importante em seu tempo na Espanha. Como diplomata, conheceu o poeta nicaraguense Rubén Darío, cônsul e embaixador em Madri, iniciador do modernismo hispano-americano surgido no final do século XIX, muito influente na literatura e no jornalismo espanhóis do século XX, e Francisco Garcia Calderón, advogado, escritor e presidente provisório do Peru, em 1881. Em 1916, eleito deputado na Bolívia, representou seu país na criação da Liga das Nações (1918). Em 1922, cônsul geral em Paris, adotou postura crítica em relação à administrações políticas.
Intelectualmente, tornou-se um dos escritores mais conhecidos da Bolívia. Pela perspectiva da análise social, Arguedas descreveu as relações entre bolivianos e seus povos indígenas, destacando os conflitos culturais, a mestiçagem complexa e as disparidades entre os mundos indígena e crioulo/mestiço, incluindo o indigenismo, todos posteriormente retomados por outras correntes de pensamento, em diferentes perspectivas. Seu objetivo sempre sendo encontrar possíveis soluções para os males existentes. Iniciando-se na literatura quando ainda era um estudante, Arguedas escreveu os romances “Pisagua” (1903), “Wata-Wara” (1904), “Vida criolla” (1912) e “Raza de bronce”(1919), além do ensaio “Pueblo enfermo” (1909).
“Raza de bronce”, considerado o romance fundador da corrente indigenista da literatura latino-americana, foi considerada a obra-prima do autor. Nela, Arguedas narra a revolta da comunidade indígena Kohakuyo, bem como, a exploração e opressão dos índios pelos latifundiários, a corrupção das classes dominantes e a luta e o ódio entre raças e classes de então. Pelo fato de demonstrar que a consciência de uma população pode modificar seu ambiente, “Raza de bronce” inaugurou uma literatura inovadora, denunciativa da difícil realidade dos índios na Bolívia.
Sua produção singular deu início, portanto, ao encerramento da polêmica entre modernistas e antimodernistas, incitando as gerações futuras ao compromisso popular e ao combate político da desigualdade social. Posteriormente, suas obras, de caráter ensaístico e social mostraram-se igualmente significativas. São elas: “Historia de Bolivia” (1922), “Los caudillos letrados” (1924) e alguns volumes memorialísticos como “La danza de las sombras” (1934), além de diversas cartas.
Um trecho de “Raza de bronce”? “Então você quer que a gente mate?” Ele começou a perguntar ao velho que o havia convidado para falar antes. Choquehuanka o olhou lentamente nos olhos: Eu não quero nada, Cheka. Vou morrer em breve, e queria falar antes de deixá-lo nesta terra de miséria e dor. Eu já disse o que tinha que dizer, e agora cabe a você agir. Eu apenas repito: se você quer que seus filhos vivam livres amanhã, nunca feche os olhos para a injustiça e reprima a maldade e abuso com punições inexoráveis; Se você anseia pela escravidão, lembre-se disso na hora do julgamento dos que têm bens e são pais … Agora você escolhe. (…) Por fim, as chamas foram diminuindo gradualmente como se estivessem sufocadas pelas sombras da noite; as silhuetas dos homens, agora quase invisíveis, se dissolveram e desapareceram na escuridão densa; os ruídos acabaram sendo extintos … Ainda um tiro distante … O último brilho da última chamada … O latido terrível de um cão … O grito distante de um leke-leke … E o silêncio terrível, grávido de angústia, misterioso … Uma faixa amarelada rasgou a abóbada negra em direção ao promontório. Passou a ser primeiro lívido, depois rosa, depois laranja. Então, sobre o fundo arroxeado, foram projetados os picos da cordilheira; as neves derramaram o puro amanhecer de sua brancura, então brilharam intenso. E uma chuva de ouro e diamantes caiu nos picos. O sol…”.