Por Mariane Morisawa, especial para o Estadão
Uma coisa que Robin Thede, criadora de A Black Lady Sketch Show, não queria na segunda temporada de sua série eram esquetes cômicos sobre a pandemia. “Eu vetei mostrar gente de máscara porque achei que a esta altura teria terminado”, disse Thede em entrevista ao Estadão.Fora que, na primeira temporada, um grupo de mulheres negras sobrevivia ao apocalipse e ficava em quarentena numa casa. “Então, já tínhamos feito isso”, explicou Thede. Não há referências à covid-19 nos esquetes da segunda temporada, que estreia na HBO na sexta, 30, às 23h30, depois de uma pré-estreia semana passada na HBO GO. “Quero que assistam daqui a dez anos e nem se lembrem da pandemia”, disse Thede.
Outras adaptações tiveram de ser feitas para que a série em seis episódios pudesse ser rodada depois de interrompida pela pandemia. Além de seis testes semanais para cada um dos envolvidos na produção, os esquetes que demandavam dezenas de figurantes foram cortados. Cerca de 30 extras se revezaram no elenco de apoio, com a ajuda de perucas, maquiagens e truques de câmera para que a multidão parecesse maior. “O bom é que já temos esquetes prontos para a terceira temporada”, disse Thede. E pode apostar que ela já está pensando nisso. “Nós queríamos que a segunda temporada fosse a primeira num patamar mais alto”, afirmou a criadora da série. “Porque a segunda temporada é fundamental.
Depois dela, você ganha a terceira e pode continuar. É preciso atravessar a segunda temporada, então não podíamos correr riscos Queríamos que a série fosse mais dinâmica, engraçada e cheia de camadas para continuarmos fazendo para sempre.”
Havia também uma mudança de ares em relação à primeira temporada, que concorreu há três Emmy atrás. “O Trump era o presidente então”, disse Thede. “Assim, a primeira temporada é mais sombria. E tudo bem, era apropriado na época. Mas, na segunda, depois de voltarmos da quarentena para finalmente gravarmos, achei que tínhamos de capitalizar na alegria da mulher negra. Estamos mais leves.”
O que não mudou foi o compromisso com a graça e com a representatividade. O elenco da primeira temporada, formado unicamente por mulheres negras hilárias, continua com Robin Thede, Gabrielle Dennis e Ashley Nicole Black – Quinta Brunson teve de deixar a atração por problemas de agenda relacionados à pandemia. As três ganham a companhia de Laci Mosley e Skye Townsend na nova fase. Não faltam convidados de peso, como a produtora executiva Issa Era, Gabrielle Union e Jesse Williams, entre outros. Até os figurantes que aparecem nos esquetes são todos negros. “A maioria das pessoas não percebe”, contou Thede. “Ninguém imagina o esforço que fazemos para criar esse universo de mulheres negras.” Ela frisa que há homens negros também e que não há intenção de falar mal de ninguém. “Mas só queríamos criar um espaço em que pudéssemos ser nós mesmas de maneira autêntica, sem o olhar de ninguém que não se pareça conosco. É uma celebração de quem somos.” Há um esquete inteligente que exemplifica bem o tipo de libertação rara que um ambiente assim provoca, num tribunal só com mulheres negras.
Na hora de escolher o elenco principal, Thede e sua equipe também procuraram a diversidade dentre as mulheres negras. “Não existe um único tipo”, disse a criadora. “Todo mundo que assistir à série vai perceber como pode haver diversidade entre elas, com pessoas mais velhas, de corpos variados, LGBTQ, não binárias.” E uma atriz trans não necessariamente vai fazer um esquete cômico sobre ser uma pessoa trans. “Essas pessoas simplesmente existem no mundo.”
A quantidade e variedade de talento que passa pela tela em A Black Lady Sketch Show é apenas mais uma prova do número de pessoas negras que não tinham chance de mostrar sua arte até há bem pouco tempo. “Estou aqui faz 20 anos”, disse Thede. “E sempre estivemos aqui, só não éramos valorizados. Quando você pensa o que Denzel Washington fez em Malcolm X lá atrás, e não foi reconhecido. Hoje, temos Daniel Kaluuya, por Judas e o Messias Negro”, afirmou Thede. Kaluuya ganhou a estatueta de ator coadjuvante no domingo, 25. A diferença hoje é que a performance dos artistas não brancos é vista com os mesmos pesos e medidas dos brancos. “E é só isso o que queremos, que avaliem o que fazemos no mesmo nível.”
Ela ainda acha que as aparências enganam um pouco, porém. “Parece que somos muitos hoje em dia, mas somos poucos ainda. É que estamos trabalhando em alto nível, exibindo equidade e somos muito visíveis.” Porque, agora, finalmente, os não brancos têm oportunidades, com orçamentos maiores sendo aprovados, principalmente depois do sucesso de Pantera Negra. “Hollywood coloca dinheiro porque estamos dando dinheiro. Só temos equidade quando nos tornamos lucrativos. E nós já provamos que somos. Não quero iniciativas vazias de diversidade e inclusão. Quero dólares por trás dos nossos projetos.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.