São Paulo parou na noite de 10 de outubro: festival da Record em 1966 dividiu não só a plateia, mas o país, em torno das músicas de Chico Buarque e Geraldo Vandré/Theo de Barros.
“Com essas duas músicas, a bucólica A Banda e a telúrica Disparada, o II Festival da TV Record mostrou para os brasileiros de todas as classes sociais a grandeza de sua música popular, um bem dotado do mais alto valor artístico do qual tinham por que se orgulhar.” Com o parágrafo final do capítulo dedicado ao festival organizado pela Record em 1966 (o primeiro havia sido realizado em 1960), no livro A Era dos Festivais – uma parábola, o pesquisador Zuza Homem de Mello resume em certa medida o que foi a noite de 10 de outubro de 1966 – como neste ano, uma segunda-feira –, no teatro que funcionava na Rua da Consolação, região central de São Paulo.
“Ninguém imaginava que o Jair Rodrigues fosse capaz daquele jeito”, lembra Zuza. O intérprete tinha a justificada fama de brincalhão, o que levou Vandré a adverti-lo: Cachorrão (apelido de Jair), cuidado com a minha música, que é coisa séria. O cantor xingou o compositor, que se desculpou. Mas Jair, indicado por Hilton Acioli, do Trio Marayá, tinha muito mais que irreverência. Zuza destaca a “cancha” do intérprete, que começou a carreira como crooner no interior paulista e era capaz de cantar de tudo.
Disparada era “uma total novidade em todos os aspectos”, em interpretação, arranjo, conteúdo, formato. “Não era visível que havia uma primeira e uma segunda parte”, diz Zuza. Uma música comprida, “mas que a gente não sentia que era comprida”. Sem contar, acrescenta, o uso da famosa queixada de burro, que “dava uma conotação instrumental totalmente inusitada”.
Ele vê A Banda como uma “canção visivelmente menor na obra de Chico Buarque, que foi crescendo numa dimensão extraordinária”. A composição foi ficando “para trás”, mas na época foi uma “febre”, lembra Zuza, cantarolando um trecho. “Era uma música gostosa de ouvir e de cantar.”
O único empate na história dos festivais contrariou a decisão dos jurados, que haviam dado a vitória para A Banda, com sete votos, ante cinco para Disparada. Acontece que Chico, informado que poderia ser o vencedor – o júri ainda estava reunido –, antecipou-se e avisou que se ganhasse sozinho devolveria o prêmio em público. “Chico foi falar com Paulinho, e os jurados tiveram de ouvir a sugestão que o melhor seria o empate. Essa sugestão foi contestada por muitos”, recorda Zuza. Mas foi o que aconteceu. Sem que os autores e o público soubessem do resultado verdadeiro, os apresentadores anunciaram que as duas músicas eram vencedoras do festival. “Eu propus o empate por achar que Disparada era melhor. E continuo achando”, diria Chico décadas depois.
Depois da festa, com o teatro já quase vazio, o diretor da Record subiu a escada que levava à cabine de som e entregou um envelope fechado a Zuza, com a recomendação de guardá-lo em um cofre e não mostrar seu conteúdo a ninguém. Era as fichas de votação dos jurados. Durante muito tempo, o envelope ficou guardado em uma burra (cofre) em uma das casas onde o pesquisador morou. O imóvel foi vendido e, com ele, foram-se a burra e os votos. A história permaneceu.
Salve A Banda e Disparada, salve os seus compositores e intérpretes, os festivais e a música popular brasileira!