“Não fala com pobre, não dá mão a preto, não carrega embrulho
Pra que tanta pose doutor?
Pra que esse orgulho?
A bruxa que é cega, esbarra na gente, e a vida estanca
O infarto te pega doutor, e acaba essa banca.
A vaidade é assim, põe o tonto no alto, e retira a escada
Fica por perto esperando sentada
Mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão
Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do tonto
Afinal, todo mundo é igual, quando o tombo termina
Com terra por cima e na horizontal”.
Foi assim, com essa música, “A banca do distinto”, que o compositor Billy Blanco, um dos precursores da bossa nova, reagiu às ofensas sofridas pela cantora Dolores Duran, na década de 1950.
A composição de Billy Blanco nasceu de um fato inusitado. A inspiração veio a partir de um relato de preconceito feito por Dolores Duran ao compositor. Conta Billy Blanco que, por volta de meados dos anos 50, no auge do “Beco das Garrafas”, em Copacabana, Dolores Duran cantava numa daquelas boates. Tinha um homem que sempre ia aos shows da Dolores porque gostava muito da voz dela, porém odiava negro ou afro-descendente, o caso de Dolores Duran.
O “doutor” ia ao show toda noite, sentava-se na primeira fileira de mesas, mas sempre de costas para o palco. Não dirigia uma única palavra a ela porque não falava com negros. Sequer a olhava. Quando queria pedir uma música, dirigia-se ao garçom – Alberico Campana, hoje dono da “Plataforma” no Rio de Janeiro – e dizia, acenando com um bilhetinho na mão: “Manda a neguinha cantar essa música aqui!”.
Todo final da noite, pelo fato de ser solteiro, o tal sujeito sempre comprava o jantar e levava para casa, mas como não carregava embrulhos – que segundo ele era serviço de negro – pedia ao garçom que levasse até o seu automóvel. Dolores, profissional e pacientemente, atendia aos pedidos do “doutor”. Nessa época, ela e Billy Blanco – segundo ele – mantinham um “affair”.
Um dia, muito aborrecida com a grossura do sujeitinho, Dolores contou a história ao Billy que, imediatamente, compôs o samba “A banca do distinto”. E aí…, na noite seguinte, Dolores Duran cantou o samba para o “doutor”. Em 1959 a música foi gravada na voz de Isaurinha Garcia. Posteriormente, várias outras gravações vieram, como as de Elza Soares, Neusa Maria, Dóris Monteiro, Elis Regina e Jair Rodrigues, entre outros.
Além de “A banca do distinto”, Dolores Duran gravou várias composições de Billy Blanco, principalmente as que faziam críticas ao comportamento da alta sociedade carioca, tais como “Estatuto de boate”:
“Gafieira de gente bem é boate,
Onde a noite esconde a bobagem que acontece,
Onde o whisky lava qualquer disparate,
Amanhã, um sal de fruta a gente esquece.
Vamos com calma,
Olha o respeito,
Cuida do corpo,
Que a alma, não tem mais jeito,
O estatuto não prevê,
Mas eu lhe digo,
Traga a sua mulher de casa,
E deixa em paz a do amigo”
E o recado está dado, pois uma das grandes funções da arte, e mais especificamente da música, é expor e denunciar as mazelas que nossa sociedade reproduz cotidianamente.
Salve Dolores Duran, Billy Blanco e a Música Popular Brasileira!