André Luiz da Silva *
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Foi no longínquo ano de 1932, que o povo paulista promoveu um levante grandioso e com brio e a coragem do espírito constitucionalista se ergueu contra a ditadura de Getúlio Vargas. Desde 1997, o dia 9 de julho, é um feriado estadual que recorda tão importante ato. Em Ribeirão Preto, sua avenida mais charmosa homenageia o feito. Nesse marco de valor e sacrifício, os habitantes da cidade adicionam agora um novo e triste capítulo, ao prantear a perda do estimado escultor Thirso Cruz, cuja vida se extinguiu, na última terça-feira aos 86 anos.
Assim como a poesia em mármore, pedra e bronze, a escultura, que ocupa o augusto lugar de terceira arte clássica, revela o intricado tecido das emoções humanas, pensamentos profundos e ações enérgicas do artista, infundindo alma em matéria inerte. As praças e avenidas de Ribeirão Preto, adornadas por monumentos de vigor e beleza, são testemunhas silenciosas da genialidade de Thirso Cruz, filho dileto de São Joaquim da Barra. Desde tenra idade, sob o olhar terno de sua avó e guiado pelos pais, modelava a argila com destreza, prefigurando o artista magnífico que se tornaria.
Quem, caminhando pela rotatória da avenida Treze de Maio, não se maravilhou com o motoqueiro eternamente em movimento? Quem, passeando pelo Morro do São Bento, não ouviu a música silenciosa dos músicos imortalizados? E quantos, ao percorrer os recantos do Parque da Avenida Costábile Romano, não se depararam com o místico Curupira, ou levantaram os olhos para contemplar o Cristo majestoso de 14 metros dominando a pedreira Said? O “Trabalhador do Café”, guardião da entrada da avenida do Café, é outro exemplo da destreza e paixão de Thirso.
Companheiro e discípulo do célebre Bassano Vaccarini, a quem conheceu no vibrante grupo TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) em São Paulo e reencontrou em Ribeirão Preto, Thirso não só restaurou inúmeras obras de seu mentor, mas também deixou sua marca indelével no mundo das artes. Seu talento transcendeu a escultura, revelando-se na poesia escrita, no desenho detalhado e até mesmo no cinema experimental, onde atuou com a mesma paixão e dedicação.
Professor dedicado por mais de três décadas, Thirso cultivou mentes jovens e curiosas, servindo à comunidade até sua merecida aposentadoria. Silencioso observador do mundo ao seu redor, talvez já vislumbrando a próxima obra-prima, ele permanece imortalizado não só em suas criações, mas também no coração daqueles que tiveram o privilégio de conhecê-lo.
Alguns expoentes das academias e entidades literárias e valorosos incentivadores culturais,compareceram ao velório de Thirso Cruz, um ícone incontestável da cultura local. Em um momento que deveria ser de união e homenagem, a ausência de muitos revela um triste contraste com o legado imenso deixado por este mestre das artes. O artífice de esculturas, que enobrecem nossa cidade e tocam a alma de quem as contempla, merecia uma despedida à altura de seu talento e contribuição. Que essa lamentável falta de reconhecimento inspire uma reflexão sobre a valorização daqueles que, com suas mãos e coração, moldam a identidade cultural de nossa comunidade.
Membro eterno da Academia de Letras e Artes de Ribeirão Preto – ALARP, ocupando com orgulho a cadeira cultural nº 58, cujo patrono foi o igualmente ilustre Antonio Palocci, Thirso Cruz viverá para sempre nas lembranças mais ternas e nas obras espalhadas pela cidade que tanto amou. Quiçá um dia seja homenageado com um logradouro ou monumento em seu nome, perpetuando seu legado para futuras gerações. E quem sabe, entre os novos artistas plásticos, surja um talento que, inspirado pelo mestre, molde sua face em um busto, realçado pela singeleza e a profundidade dos pequenos detalhes assegurando que sua memória permaneça vívida e tangível entre nós.
* Servidor municipal, advogado, escritor e radialista