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A agonia do coronel

“… o…., linhas… o…”, murmurava o coronel no leito de morte, cercado pela mulher e seus dois filhos. A agonia se prolongava, apesar das rezas e novenas encomendadas pela esposa, católica devota e praticante. Dava dó ver o sofrimento do homem, que se esvaía a cada dia, enrolado num cobertor que os filhos cuidadosamente ajeitavam. Já fazia mais de duas semanas que o médico anunciara a iminência da morte e, até agora, nada. Um sofrimento para o doente e a família.

Pela cabeça do moribundo deviam estar passando as lem­branças de sua vida, como dizem acontecer nos momentos que se aproximam do fim.

Era um rico fazendeiro de Minas Gerais, nas bordas paulistas. Tinha vasta plantação de café e criação de gado e sempre exerceu o mando político na cidadezinha onde mo­rava. Alternava a prefeitura com um cunhado, seu fiel segui­dor, eleitos em eleições à bico de pena. Há décadas, mandava tranquilamente, apoiado pela política estadual de seu partido, senhora de Minas há tempos. A oposição era ferrenha, capi­taneada por outro poderoso coronel, que há anos buscava se apoderar do poder, sempre repelido pela máquina do ago­nizante. Haviam feito juras de morte, vivendo um constante sobressalto.

Uma reviravolta no comando do estado começara sua derrocada, com a subida de adversários ao governo, decididos a eliminar os inimigos, em todas as localidades. Apearam-no da prefeitura e colocaram no lugar seu grande rival. Só resta­va a ele se retirar para sua fazenda, na espera de mudança nos ventos políticos. Ali curtiria sua derrota em paz, inspecionan­do seu gado, cuidando de seu cafezal.

Porém, os adversários resolveram eliminar, de vez, a influ­ência do derrotado. Uma investigação uivada de erros apon­tou desvios inexistentes na prefeitura da cidade, feitos pelo coronel. O delegado deu-lhe voz de prisão e se viu obrigado a dividir a cela com bêbados e desocupados.
Uma semana depois de detido, começou a humilhação: era forçado a capinar a praça central da cidade, limpar as sarjetas das ruas, às vistas de seus amigos e familiares, para o regozijo de seus adversários. A provação durou bastante tempo, até quando, com a ajuda de um grande amigo, conseguiu fugir para São Paulo. Na capital, homiziou-se na periferia, em casa de um antigo protegido, onde morou por mais de cinco anos, sempre escondido de todos.

O ambiente fúnebre da casa recebeu a visita do compadre Benedito, amigo de longa data, fazendeiro e político como ele. Conversando com a comadre, foi informado dos constantes balbucios e da agonia que se arrastava. “A senhora tem como abrir o cofre?”, perguntou o visitante, que seguiu a mulher até o escritório do moribundo. Ali, numa caixa de madeira, Benedito tirou nove orelhas mumificadas. “São dos que o hu­milharam. Quando retornou ao poder, mandou matar todos e guardou as orelhas como lembrança. Vamos enterrá-las e contar a ele, talvez esteja sentindo remorsos pelas mortes”.

Num canto do quintal, em pequena cova, as orelhas foram enterradas e o moribundo informado por Benedito.

Poucas horas depois, o coronel se despedia de sua vida…

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