O Diretório Municipal do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) em Ribeirão Preto obteve as informações necessárias para ingressar, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin). O objetito é suspender os efeitos do artigo incorporado à uma lei municipal de 2012 que deu origem aos “supersalários” pagos pela Câmara de Vereadores.
O alvo da Adin são as dezenas de casos de servidores contratados para cargos com salários entre R$ 1,3 mil e R$ 1,6 mil, mas que, em muitos casos, sobem para mais de R$ 25 mil no ato da nomeação. A advogada Taís Roxo da Fonseca, assessora jurídica do Psol, afirma que o artigo em questão – derrubado pela própria Câmara no ano passado – “é uma aberração jurídica sem precedentes em todo o Brasil”.
“O que acontece na folha de pagamento dos servidores efetivos da Câmara é algo insólito, inusitado. Tanto é um absurdo jurídico que a própria Câmara reconheceu isso e, por unanimidade, derrubou o artigo ano passado. Mas falta interromper a sangria dos cofres públicos, que continua custando milhões de reais todos os anos para os contribuintes”, argumenta a advogada. A Casa de Leis tem cerca de 98 servidores efetivos e mais 195 comissionados nos 27 gabinetes dos vereadores.
Na ação que está sendo finalizada, o Psol pede que os desembargadores do TJ/SP decretem a inconstitucionalidade da chamada “incorporação inversa”, que permitiu a funcionários aprovados em concursos para funções de baixa escolaridade – como auxiliar de serviços, faxineira e porteiro, com salário médio abaixo de R$ 2 mil – incorporarem ao vencimento os valores que recebiam quando ocupavam cargos em comissão, por indicação de algum vereador.
São dezenas de casos entre os 98 servidores efetivos da Câmara, sendo que todos os funcionários têm em comum o fato de terem sido, em legislaturas anteriores, assessores de confiança de algum parlamentar – na maioria dos casos, do mesmo vereador, um ex-presidente da Câmara hoje réu em ação criminal oriunda da Operação Sevandija.
Taís Roxo da Fonseca explica como se deu a artimanha que originou os “supersalários” do Legislativo e que, em meio a maior crise financeira do poder público municipal, continua custando mais de R$ 1 milhão ao mês aos cofres públicos. “Em qualquer serviço público do Brasil é praxe que um servidor, se é nomeado para um cargo de chefia, ao retornar à função de origem ele tenha o direito de incorporar ao salário parte do que recebeu a mais enquanto esteve na chefia. Geralmente, no percentual de 20% ao ano. A legislação sobre essa incorporação é sempre a mesma e diz que o servidor que vier a exercer um cargo de salário superior incorpora parte desse vencimento ao retornar ao posto para o qual foi aprovado em concurso”, diz
“Aqui na Câmara acrescentaram o termo ‘ou tenha exercido’ ao ‘venha a exercer’. Num passe de mágica, esses apadrinhados passaram em concursos que tinham uma única vaga, salário pouco atrativo, e na sequência a Mesa Diretora abriu dezenas de novas vagas e foi nomeando os apadrinhados, até mesmo quem passou em 19° lugar em concursos com uma vaga”, conta a advogada.
Segundo a assessora jurídica do Psol, um colaborador voluntário, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP), fez um levantamento da folha de pagamento dos 98 servidores efetivos do Legislativo. Ele constatou que somente o valor referente à “incorporação inversa” e às cerca de 30 gratificações pagas ao funcionalismo da Casa de Leis – algumas acima de R4 4 mil – gera uma despesa de R$ 18,6 milhões ao ano.
“Foi assim que surgiram os supersalários. Graças à incorporação inversa e às dezenas de gratificações, sempre distribuídas sem nenhum critério objetivo, para quem o presidente quisesse. A legislatura mudou, mas no ano passado a Mesa Diretora da Câmara não só manteve todas as chefias indicadas pelos vereadores que comandaram o Legislativo entre 2013 e 2016 como criaram mais sete gratificações. Esse ano mudou a Mesa Diretora e tudo continua absolutamente igual”, diz Taís Roxo.
A advogada do Psol acredita no êxito na Adin que está sendo preparada. “É tão extravagante o que acontece na Câmara de Ribeirão Preto que estamos bastante confiantes. Se o TJ/SP declarou inconstitucional uma lei de mais de 20 anos, a do prêmio-incentivo, e mexeu nos salários de mais de nove mil servidores, porque não pode decretar a clara e evidente inconstitucionalidade de uma lei de 2012 que turbinou os salários de algumas dezenas de ex-assessores de vereadores hoje investigados pela Justiça?”, pergunta Taís Roxo.
“Não existe direito adquirido quando o fato gerador é inconstitucional”, completa a advogada. Segundo ela, se a Adin tiver êxito, o passo seguinte será o ingresso de uma ação retroativa pedindo o ressarcimento dos valores já pagos aos cofres públicos – ou seja, a devolução dos salários recebidos a maior do que o previsto em concurso desde 2012. A Justiça tanto pode determinar a devolução por parte dos servidores beneficiados ou pelos vereadores que aprovaram a lei que criou a “incorporação inversa”. Vários parlamentares da atual legislatura participaram da votação da lei nº. 2.515.
“O mesmo dinheiro público que falta para comprar medicamentos para as farmácias municipais, o mesmo dinheiro que falta para tapar os buracos da cidade e para melhorar o atendimento à saúde continua saindo pelo ralo aqui na Câmara. Evitaram que a aberração jurídica continuasse, mas ninguém fez nada até agora para por fim aos privilégios de quem se aproveitou da fase mais obscura da história do Legislativo de Ribeirão Preto. O Psol, no entanto, não vai se omitir. O dinheiro é público, é nosso, não é deles, não é de quem se aproveitou dos desmandos ocorridos na Câmara e revelados pela Polícia Federal e pela Justiça”, finaliza Taís Roxo da Fonseca.