Valorizo mais o compositor do que o cantor. Como dizia Cauby Peixoto: “Que seria de nós, cantores, se não fossem os compositores?” Sem eles não existiria a música. Coloco o cantor no mesmo nível dos compositores, claro, mas cantar qualquer um canta, basta ser afinado, nem precisa ter voz boa. Agora, interpretar são outros quinhentos. Intérpretes são poucos, é aquele que canta a música como se ele a tivesse composto, é tanta emoção, tanta entrega, tanto carinho…
Cito aqui alguns intérpretes: o próprio Cauby Peixoto que gravou “Bastidores”, de Chico Buarque; Maria Bethânia cantando “Lama”; Elis Regina cantando “Atrás da porta”, também de Chico Buarque; Nelson Gonçalves cantando a obra de Adelino Moreira… Não tem pra ninguém, nasceram para cantar e interpretar o que pensa o compositor quando faz uma canção.
Recebi, no Faceboock, uma postagem do Museu da Imagem e do Som (MIS) dando conta do centenário de Jacob do Bandolim (14/02/2018-13/08/1969). Fiquei curioso – adoro Jacob do Bandolim. Era um mestre, um compositor de primeira. Suas melodias são tão lindas que inspiraram poetas a colocarem letras nelas. Sua mais famosa composição é “Noites cariocas”, que o poeta Hermínio Belo de Carvalho a vestiu de poesia e Gal Costa gravou.
Foi para Jacob do Bandolim que seu filho Sergio Bitencourt, jornalista e compositor, compôs a maravilhosa música “Naquela mesa”. Jacob do Bandolim, ainda menino, se apaixonou por violino. Isso porque de sua janela via um cego executá-lo divinamente. Depois conheceu o bandolim, e aí seu coração jogou a toalha. Abraçou como poucos aquela obra de arte trabalhada em madeira e com algumas cordas de aço, mas que produzia um som apaixonante.
Seguindo conselhos de antigos músicos de que precisaria ter outra profissão para se garantir, foi à luta, formou-se jornalista e enquanto estudava foi aprovado no concurso de escrivão da Justiça Federal, profissão popularmente conhecida como “escrivão juramentado”, que na época impressionava os menos avisados e eles achavam que mandavam à beça (rsrsrsr).
Jacob criou o grupo de chorinho “Época de ouro”, formado por grandes músicos, entre eles Dino 7 Cordas e Cesar Faria – pai de Paulinho da Viola – , e organizava saraus em Jacarepaguá, onde morava. Naquele tempo não havia instrumentos elétricos e o som era natural, por isso não gostava que conversassem enquanto tocavam, isso atrapalhava. Até fez um pacto com a esposa, e quando alguém desobedecia suas regras, ela educadamente lhe servia um café e baixinho pedia que o sujeito se retirasse. Ele só observava sem parar de tocar.
Jacob do Bandolim tinha também sua veia de gozador, vivia aprontando com seus músicos. Ninguém sabia o que o outro fazia ou onde trabalhava, pois quando se encontravam só pensavam em fazer o que mais amavam, tocar um instrumento. Jacob, certa vez, resolveu tirar uma onda com Dino 7 Cordas e enviou-lhe uma intimação para que se apresentasse ao Dr. Jacob Bitencourt no prédio da Justiça Federal, que ficava no Centro do Rio de Janeiro. Dino, sujeito simples, tremeu na base, só imaginando o que este escrivão juramentado queria com ele.
No dia marcado, Jacob, em parceria com outros funcionários, deu um chá de cadeira em Dino, que aguardava sentado num enorme banco de madeira em companhia do amigo de conjunto Cesar Faria. Passou um tempão até que Jacob, sem mostrar o rosto, gritou de dentro de sua sala: “Pode entrar o Sr. Dino”. Dino, todo tímido, aproximou-se devagar da porta e, ao entrar na sala, disse: “Pois não, doutor…” Jacob do Bandolim, fazendo cena, estava com a cabeça abaixada, levantou-a já morrendo de rir e foi logo dizendo: “Te peguei, Dino”. Dino, que até então suava frio, foi se recuperando e também se soltou, e os três se divertiram muito. Descobriram ali que Jacob do Bandolim era Dr. Jacob Bitencourt, escrivão juramentado.
Sexta conto mais.