Quando vista transversalmente a forma mais frequente de violência entre pessoas no cenário do cuidado em saúde tem origem na insatisfação do paciente ou da sua família com o atendimento recebido, cujo efeito é a perda de controle e manifestação do ato violento, aqui tipificado como agressão psicológica, verbal ou física, praticadas isoladamente ou em associação.
De forma geral, este perfil agressivo pode ser o epílogo de várias inadequações, dentre elas a inabilidade da pessoa para lidar com frustações em seus diversos níveis, certeza de impunidade e, muitas vezes, o prolongamento de situações de violência vividas na infância. Frente a uma adversidade ligada a determinado atendimento em saúde uma das maiores dificuldades é saber como fazer a diferença entre “erro e complicação”.
Doenças podem evoluir de forma diferente de pessoa para pessoa, e até na mesma pessoa em momentos diferentes! Ao contrário do que se pode imaginar, os profissionais de saúde são francamente favoráveis ao fato de que as insatisfações com o atendimento se tornem públicas, mas utilizando os canais da normalidade democrática. Também não se nega em momento algum que podem existir falhas na prestação do cuidado em saúde, o pedido é que se busquem formas legais e éticas para resolução de eventuais conflitos, mas evitando a violência.
Frequentemente, o profissional de saúde responde por uma série de iniquidades. Dentre elas as longas filas, a falta de infraestrutura, a falta de insumos básicos e equipes reduzidas são situações que vão minando a paciência do usuário do serviço de saúde e, não raro, sua insatisfação eclode de forma violenta contra os profissionais que o atendem. Mesmo sabendo que não são eles os culpados pelas inadequações, são estes profissionais que estão na linha de frente, representando tanto as benesses quanto as falhas do sistema de saúde.
Não se nega a existência de profissionais com preparo insuficiente trabalhando nestas situações insalubres, visto que profissionais experientes não querem mais trabalhar nestes locais sem recursos nem segurança. No entanto, são estes os cenários de trabalho do médico em início de carreira, ainda despreparado, mas precisando de um posto de trabalho! Infelizmente, a maioria absoluta das agressões físicas contra médicos nos últimos cinco anos ocorreu contra profissionais com pouco tempo de formados!
São desafiadoras as dificuldades para se formalizar a violência contra os profissionais de saúde, a começar com o medo tangível de retaliações e a quase certeza da impunidade do agressor, situações que passivamente nos remetem a uma flagrante deficiência da notificação destes eventos.
Resumindo, preocupa-me como professor de medicina, a crescente onda de manifestação violenta contra profissionais de saúde, obrigando-nos a retroceder perigosamente nos parcos avanços observados no relacionamento com o paciente nos últimos anos. Temos esperança também que haja clareza gestora das autoridades em saúde do nosso país para entender e interpretar cada ato de violência deste tipo como um indicador claro da necessidade de corrigir inadequações estruturais, cujas respostas e soluções não estão na governança dos profissionais de saúde.