Cidade que já manteve o título de “Capital da Cultura” vive uma situação completamente antagônica nos dias atuais. Museus fechados, objetos históricos sem destino e o fim de vários projetos culturais deixam claro que, no campo da arte, Ribeirão Preto dá um enorme passo para trás.
Museus e teatros fechados, patrimônio ameaçado, opções culturais e de lazer suspensas… Esse o cenário do setor cultural de Ribeirão Preto no último ano e que vem sendo alvo de reclamações de público, artistas e pessoas ligadas ao meio.
Exemplos desse desmonte são vários. O Teatro de Arena Jaime Zeiger, no Morro do São Bento, é um deles. O local foi reformado e aberto ao público em 2014, quando contou com 27 apresentações diversas. O mesmo aconteceu no ano posterior, quando foi fechado. Com o fechamento, ladrões aproveitaram a falta de segurança e furtaram fios, pias, vasos sanitários e outros materiais.
A reabertura do Teatro Arena aconteceu quando o vereador Alessandro Maraca (MDB) ocupava o cargo de secretário de Cultura. “Eu vejo com tristeza o que aconteceu com o Teatro de Arena, foi uma luta para reabri-lo e hoje ele está fechado novamente. Acredito que hoje, para ser reaberto, seriam necessários investimentos de aproximadamente R$ 500 mil, fora todos os laudos que conseguimos à época”, diz.
Maraca reclama que foi criticado quando estava no comando da Cultura. “Recebi críticas e apanhei muito, mas se você comparar com o que acontece hoje, nós tínhamos uma agenda mais intensa, com projetos e atividades. E quem batia no passado não fala nada agora” salienta. “Entendo e sei das dificuldades que a secretaria tem, da falta de recursos. É uma realidade, mas algo mais poderia ser feito”, completa.
Além do Teatro de Arena, os museus do Café Coronel Francisco Schmdit, Histórico e de Ordem Geral Plínio Travassos dos Santos – ambos localizados no campus da Universidade de São Paulo (USP) – e da Imagem e do Som (MIS) também estão fechados para visitação. O Histórico não recebe visitantes desde 2016, quando parte do telhado caiu. O do Café, que fica ao lado, também segue fechado.
Ambos recebiam além da visitação normal durante os dias da semana, um público especial que participava do “Café com Chorinho”, uma apresentação musical com artistas da cidade, sempre aos domingos e que acontecia desde a primeira gestão de Antônio Palocci (PT, entre 1993-1996) na prefeitura, lançado em agosto de 1994. O projeto musical também foi encerrado.
Em meados de outubro, uma ação civil movida pelo Ministério Público Estadual (MPE), por meio do promotor do Patrimônio Público, Ramon Lopes Neto, deu prazo de 90 dias úteis para que a prefeitura iniciasse a restauração dos museus da USP, fechados desde março de 2016 por oferecer risco aos frequentadores – parte do forro de uma das salas desabou devido a infiltrações.
A decisão é do juiz Reginaldo Siqueira, da 1ª Vara da Fazenda Pública. O magistrado definiu ainda uma série de medidas que devem ser cumpridas no prazo de 90 dias, sob pena de multa diária de R$ 1 mil. O prazo termina neste primeiro trimestre, mas a prefeitura recorreu.
Entre as medidas sugeridas pelo magistrado estão a apresentação ao Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) de projeto prevendo reparos emergenciais nas instalações hidráulicas e elétricas, assim como o início das obras para cessar infiltrações e risco de incêndio; monitoramento e controle ambiental com vistas à preservação do acervo de eventual umidade e temperatura excessivos.
Também prevê controle sanitário e periódico de vetores e pragas urbanas na área interna e externa dos museus; elaboração de projeto técnico para obtenção do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB); designação de segurança ou guarda municipal, 24 horas por dia, para atuar nos museus. Outro projeto musical que levava um grande número de pessoas e que também foi extinto é o “Ribeirão das Serestas”, no coreto da praça Sete de Setembro, que era realizado sempre na última sexta-feira de cada mês.
MIS fechado, encaixotado e com parte do acervo perdido
O Museu da Imagem e do Som (MIS) de Ribeirão Preto foi fechado no inicio da tual gestão. Além de não estar aberto para visitação, parte do acervo foi inundado e perdido por conta das chuvas. O Tribuna apurou que goteiras na sala em que foi colocado, no prédio da Casa da Cultura, no Morro do São Bento, provocaram os danos.
No final da gestão anterior o governo adquiriu em forma de permuta um prédio na avenida Doutor Francisco Junqueira, altura numero 860, no valor R$ 780 mil, onde seria a sede própria do MIS. A mudança nem chegou a ocorrer. “Não era uma mudança simples, é um acervo histórico. Por exemplo, se perder ou quebrar um televisor dos anos 50, não há como comprar outro, por isso os cuidados são necessários. Era preciso 90 dias para mudança. Informei isso ao prefeito, mas nada foi feito”, diz Ewaldo Marçal Arantes, que era o responsável pelo MIS e foi exonerado.
Ele denuncia ainda que o local não conta com segurança e assim como o que aconteceu no Teatro de Arena, ladrões furtaram fiações elétricas e danificaram o espaço onde o MIS funcionava. A situação é considerada lastimável pelo representante do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Artístico e Cultural de Ribeirão Preto (Conpac), Claudio Bauso. O conselho recebeu há três semanas e verificou a veracidade da informação de que o acervo do MIS estava correndo sérios riscos por causa das goteiras e das chuvas.
“Não sabemos a extensão dos danos, mas são fitas, gravações e filmes antigos. É um dos acervos mais ricos do interior e qualquer perda é significativa”, diz Bauso. Segundo o arquiteto, o Conpac protocolou uma ação no Ministério Público Estadual (MPE) para que a prefeitura se posicione sobre o ocorrido. “Nosso corpo técnico também irá avaliar a situação”, completou. O assunto será um dos temas da próxima reunião do Conppac, em 6 de fevereiro (terça-feira).
Ribeirão em Cena enterrado
“O governo passado matou o Ribeirão em Cena e o atual enterrou”. A forte afirmação é do jornalista Gilson Filho, idealizador do projeto que trabalhou na formação de jovens artistas por 15 anos. O fim do Ribeirão em Cena aconteceu no final do mandato da ex-prefeita Dárcy Vera, há 60 dias da formação de 96 alunos. O contrato com a prefeitura previa que o Poder Público municipal pagasse os salários de cinco professores e o projeto buscava o espaço para aulas, material didático e outras necessidades. “Pararam de pagar e esses 96 alunos estão sem formatura até hoje”, diz Gilson Filho.
Segundo Gilson, durante o período eleitoral um contato com o então candidato e hoje prefeito Duarte Nogueira Júnior (PSDB) foi feito. “Ele nos atendeu bem. Disse que o projeto era um patrimônio da cidade. Não prometeu a retomada, mas disse que estudaria o assunto. A verdade é que nada foi feito depois”, diz.
“Foi o fim de um projeto que formou três mil jovens. Uma grande parte passou nas principais faculdades de artes cênicas do país. Temos grandes profissionais que atuam hoje, que passaram pelo projeto. Quem não seguiu se tornou um consumidor da cultura, é quem vai aos espetáculos”, aponta.
“Mas isso é uma questão de visão de governo. De que adianta ter superávit se não aplica em cultura e esporte. A cultura infelizmente não faz parte da agenda de trabalho dos governos do estado e da cidade”, finaliza.
Instituto do Livro quase foi extinto
Instituto do Livro só não fechou por decisão de conselheiros: Projeto Kabuki teve que alugar imóvel nos Campos Elíseos
A autarquia Instituto do Livro esteve próxima da extinção. Uma proposta para tal chegou a ser cogitada durante uma reunião do Conselho Curador. Constado em ata, a proposta não prosperou porque a maioria dos conselheiros se mostrou contrária. Apesar de mantido, os projetos não são mais oferecidos.
Alguns deles eram frequentes como o “História no Parque”, que oferecia literatura aos finais de semana no Parque Maurílio Biagi, e a “Biblioteca Itinerante”, uma van adaptada com prateleiras de livros, mesas, cadeiras e um toldo que visitava locais diferentes da cidade durante a semana. O instituto também mantinha algumas parcerias com entidades e iniciativa privada.
Uma delas era com a União Brasileira de Escritores, a UBE. O projeto consistia em trazer escritores consagrados para uma interação com escritores e leitores locais. Era aproximadamente de dez a 15 escritores por ano que vinham à cidade. O ex-superintendente Edwaldo Arantes, que ocupou o cargo por 12 anos, diz que apesar de a autarquia funcionar como uma secretaria, tinha apenas dois funcionários e alguns estagiários.
“Não tínhamos muita verba, mas conseguimos muitas parcerias com iniciativa privada e outras instituições da cidade”. Ele cita algumas com como o Cinema e Literatura”, feita em conjunto com o Cineclube Cauim. “O público assistia um filme e depois interagia com os escritores. Tinha muita procura”, lembra. “Desenvolvemos essas parcerias em conjunto até com a própria Secretaria da Cultura. Outra era a literatura em braile em conjunto com a (Associação dos Deficientes Visuais de Ribeirão Preto (Adevirp)”, acrescenta.
“Tínhamos outro projeto que ofereceu possibilidade de alguns autores locais publicarem seus trabalhos. Teses que contaram a história da Catedral Metropolitana de São Sebastião, da Orquestra Sinfônica, do carnaval. A iniciativa privada bancava isso, não havia dinheiro público. Eram publicados 500 exemplares desses livros, 400 ficaram para o autor e 100 para o instituto distribuir nas bibliotecas, mas acabou”, lamenta.
Kabuki foi desalojado
Outro projeto que corre riscos é o Kabuki, que atendia no Centro Cultural Campos Elíseos. Existente há quase 12 anos, oferece gratuitamente aulas nos segmentos de música, dança e teatro. Eram 1.800 vagas ano, mas a administração municipal pediu que o local fosse desocupado.
A verba que o projeto recebia da prefeitura chegou a ser de R$ 600 mil, mas no final do governo Dárcy Vera (sem partido) ele foi rateado, sendo que metade era repassado por meio do Procon. Na parceria, o Kabuki oferecia além de atividades culturais, aulas de educação para o consumo. No início do atual governo, o valor diminuiu para R$ 200 mil, vencendo uma licitação, mas passou atender em nove núcleos.
O Tribuna apurou que um problema entre mães de crianças atendidas pelo projeto e pessoas ligadas à Secretaria da Cultura desencadeou um processo administrativo. A celeuma ocorreu devido a roupas de apresentações e dinheiro para compra de tais vestuários, tudo custeado pelos país. Com o processo, a prefeitura deixou de pagar os salários aos professores por três meses, de outubro a dezembro.
Com o desenrolar do processo, defesa e acusação, a prefeitura pagou um dos salários no final de dezembro e os demais recentemente. Houve rupturas. Pessoas ligadas ao Kabuki disseram que foram informadas que o contrato de parceria com a Secretaria de Cultura, existente há cerca de dez anos, não seria renovado.
O Procon também não sinalizou a renovação de contrato. Paralelo a isso, os gestores foram informados que deveriam desocupar o Centro Cultural e retirar os objetos e instrumentos musicais. Atualmente o Kabuki está tentando sobreviver sem verba pública, com menos recursos e menos vagas oferecidas. Um prédio foi locado nos Campos Elíseos para a retomada dos trabalhos.
Cultura pede espaço da Casa do Radioamador
O espaço onde funciona a Casa do Radioamador de Ribeirão Preto, no Morro do São Bento, desde a década de 70 do século passado, foi pedido pela Secretaria da Cultura. A Casa do Radioamador existe desde os anos 60 – e em 1971 passou a ocupar o imóvel de 303 metros quadrados, localizado em um terreno de dois mil metros quadrados. O projeto original, cedendo o imóvel e a área no entorno em regime de comodato, por 20 anos, foi aprovado pela Câmara e sancionado pelo então prefeito Duarte Nogueira, em 1971.
Duas décadas depois, em 1991, vencido o prazo original, o Legislativo aprovou novo projeto, estendendo o comodato por mais vinte anos. Em 2011, o prazo venceu de novo, e apesar da entidade manifestar interesse em nova prorrogação, ela não foi providenciada pela administração Dárcy Vera – o Tribuna apurou que o processo parou na Secretaria Municipal do Planejamento e Gestão Pública.
No início do mês, o presidente da Câmara, Igor Oliveira, se reuniu com o coordenador do espaço, Gilmar Moura Gaspar, e mais dois associados. Eles foram pedir ajuda do Legislativo para solucionar o impasse. Mas, de acordo com a assessoria da presidência da Câmara, não teria como o Legislativo prorrogar o comodato, uma vez que se trata de um próprio púbico da Prefeitura e a iniciativa original, de ceder o prédio, partiu do Executivo.
Secretaria da Cultura responde ao Tribuna
A reportagem do jornal Tribuna encaminhou à Coordenadoria de Comunicação Social da prefeitura (é o praxe implantado pela administração, ao invés de se entrevistar o secretário da pasta), uma série de questionamentos sobre o desmonte da cultura em Ribeirão Preto. Veja as respostas enviadas pela administração.
Tribuna – Oficialmente, qual a situação do Teatro de Arena?
Cultura – O Teatro de Arena aguarda liberação de recursos federais, por meio de emendas parlamentares para que possa ser reformado e devolvido à população.
Tribuna – Há alguma previsão para ser reaberto?
Cultura – Há a busca de recursos para que possa ser recuperado, que pode ocorrer inclusive por meio de parcerias com a iniciativa privada.
Tribuna – E a situação dos museus do Café e Histórico (campus da USP)?
Cultura – Os dois museus têm pedido de recursos protocolados no Ministério da Cultura para que possam ser reformados e restaurados.
Tribuna – Há previsão para a reforma do Museu Histórico?
Cultura – Aguarda a liberação de recursos
Tribuna – Os museus serão reabertos quando?
Cultura – Não é possível precisar uma data, uma vez que necessitam de reparos que dependem de processos burocráticos.
Tribuna – O Café com Chorinho” e o “Ribeirão das Serestas” foram suspensos, por que?
Cultura – Foram suspensos em função da situação de interdição dos museus, mas serão retomados assim que as reformas forem realizadas.
Tribuna – O Museu da Imagem e do Som (MIS) de Ribeirão Preto foi fechado no inicio da gestão da atual administração municipal. Quando será reaberto e onde?
Cultura – A Secretaria da Cultura está em busca de um local para a instalação do MIS.
Tribuna – Parte do acervo foi inundado e perdido por conta das chuvas. Qual a dimensão do prejuízo?
Cultura – Não houve perda de grande monta. Os funcionários, com sua dedicação, salvaram o acervo.
Tribuna – No final da gestão anterior o governo adquiriu em forma de permuta um prédio na avenida Francisco Junqueira, no valor R$ 780 mil, onde seria a sede própria do MIS. A Cultura vai utilizar o espaço? Se sim, de que maneira; se não, qual será a destinação?
Cultura – Sim, a cultura utilizará o espaço e muito em breve será divulgada a destinação a ser dada ao local.
Tribuna –Houve uma tentativa de se fechar o Instituto do Livro, mas impedida pelo Conselho Curador? Qual o papel o instituto exerceu no último ano, quais foram os projetos executados na cidade, efetivamente?
Cultura – As duas questões acima podem ser melhor respondidas pelos membros do Conselho Curador.
Tribuna – O que aconteceu com projetos como a “Biblioteca Itinerante” (van) e “História no Parque” (no Parque Maurilio Biagi)?
Cultura – Os projetos acabaram porque tinham prazo de duração estabelecidos. Outros semelhantes supriram a demanda como o Agentes de Leitura.
Tribuna – Houve uma determinação para a desocupação do Projeto Kabuki do Centro Cultural Campos Elíseos. Qual foi o motivo?
Cultura – Os centros culturais vão operar garantindo qualidade e gratuidade. Haverá processo de seleção para educadores e o Kabuki pode, livremente, participar. A parceria entre será retomada caso (o Kabuki) participe do processo de seleção e seja selecionado.
Tribuna – No final da antiga gestão (Dárcy Vera) aconteceu uma ruptura com o projeto Ribeirão em Cena. O que a Secretaria da Cultura pensa sobre o projeto?
Cultura – O projeto Ribeirão em Cena foi maravilhoso para Ribeirão Preto e formou muitos excelentes profissionais das artes. A Secretaria da Cultura estará sempre aberta ao diálogo.