Tribuna Ribeirão
Artigos

Ary Barroso, o mestre do samba exaltação

“Brasil, meu Brasil brasileiro, meu mulato inzoneiro, vou cantar-te nos meus versos: o Brasil, samba que dá bamboleio, que faz gingar, o Brasil do meu amor, Terra de Nosso Senhor. Brasil! Brasil! Prá mim! Prá mim! Ô, abre a cortina do passado; tira a mãe preta do cerrado; bota o rei congo no congado. Brasil! Brasil!”. Através desses versos da música “Aquarela do Brasil”, que procuravam exaltar a beleza do Brasil e de seu povo, chegando muitas vezes à beira do ufanismo nacionalista, Ary Evangelista Barroso, mineiro de Ubá, inaugurou e disseminou um novo estilo de samba no Brasil, o “samba exaltação”.

Após a morte dos pais, quando o menino Ary tinha apenas sete anos, o futuro compositor passou a ser criado pela avó Gabriela e a tia Rita, pianista do cinema Ideal, onde fazia fundo para os filmes mudos. Tia Ritinha seria responsável pelo futuro do menino. Obrigado por ela a estudar piano, desde os dez anos de idade, tinha de percorrer a escala musical no teclado, com um pires nas costas das mãos. Se o pires caísse, era castigado com vara de marmelo. Mal sabia ele que o duro aprendizado iria garantir-lhe folga financeira e renome internacional.

Em 1921, aos dezoito anos, mudou-se para o Rio de Janeiro com a pequena fortuna de 40 contos de réis no bolso, herança de tio Sabino, ex-ministro da Fazenda, que deveria financiar seu curso de Direito. O dinheiro durou até o terceiro ano da faculdade, o que obrigou Ary a tocar em cinemas, à tarde no Íris e à noite no Odeon para sobreviver. Sem tempo para estudar, interrompeu o curso e só se formou em 1930, na turma do cantor Mário Reis.

Ary começou a ficar conhecido e passou a tocar na Orquestra Trianon e depois na Jazz Band Sul-Americana, do maestro Romeu Silva, orquestra tão importante que os músicos vestiam casaca. Após recusar o convite para excursionar com a Jazz Band pela Europa, visto que queria acabar o curso de Direito e já estava namorando Ivone, filha da dona da pensão onde almoçava, o compositor aceitou o convite para temporada em Santos e Poços de Caldas, com a orquestra de J. Spina. Na viagem, retomou a composição.

Em Ubá tinha feito o cateretê “De longe” e a marcha “Ubaenses gloriosos”, e na volta da excursão trazia o maxixe “Segura a fazenda” e o choro “Mimi”, que entregou à editora Casa Carlos Wehrs. Soube que suas músicas tinham sido levadas por Olegário Mariano e Luiz Peixoto, que estavam montando a revista Laranja da China.

Em 1931 casou-se com Ivone e desistiu de tomar posse como juiz em Nova Resende, pois estava certo que a música era seu destino. Em 1932 era pianista da Rádio Philips e iniciava carreira de locutor esportivo e apresentador de calouros. Na primeira função, ganhou fama ao tocar uma gaitinha cada vez que gritava gol. Como apresentador de calouros destacou-se pela severidade com que julgava os candidatos.

Grande parte dos cantores passou pelo crivo de Ary, no seu programa de calouros. Elza Soares ao se apresentar no programa com uma roupa simples e descabelada foi obrigada a responder com rispidez a seguinte pergunta infeliz do apresentador: “Minha senhora, de que planeta você veio?” De forma rápida e segura, Elza Soares respondeu: “Vim do planeta fome!” Entretanto, a cantora foi aprovada no concurso e iniciou ali sua longa e gloriosa carreira de sambista.

Mário Reis foi o primeiro a gravar uma música de Ary, que foi “Vou à Penha”. Em seguida, viria uma série enorme de sucessos no teatro de revistas, no rádio, no disco e até no cinema de Walt Disney, que usou suas composições “Aquarela do Brasil”, “No tabuleiro da baiana” e “Os quindins de Iaiá” em Hollywood. Seus sucessos foram gravados por Carmem Miranda, Francisco Alves, Aracy Cortes, Sílvio Caldas, Aracy de Almeida e muitos outros intérpretes.

Outro samba exaltação de Ary, eternizado na MPB, foi “Isto aqui, o que é?”, que tem como introdução maravilhosa: “isto aqui ô, ô, é um pouquinho de Brasil, iá, iá, deste Brasil que canta e é feliz, feliz, feliz. É também um pouco de uma raça, que não tem medo de fumaça ai, ai, e não se entrega não”.

No início de 1964, ao ser internado com cirrose hepática, Ary telefonou para David Nasser e disse: “David, eu vou morrer, estão tocando as minhas músicas”. Dia 9 de fevereiro, morreria o autor de “Risque”, “No rancho fundo”, “Faceira”, “Boneca de Piche”, “Camisa amarela”, dentre outras.

Salve o nacionalista Ary Barroso, o mestre do samba exaltação!

Postagens relacionadas

A ‘nova’ guerra – parte 1

William Teodoro

 É o olho do dono que engorda a boiada? 

Redação 2

Inteligência e seus descontentes (23): Desfechos na vida

William Teodoro

Utilizamos cookies para melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade. Aceitar Política de Privacidade

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com