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Adoniran Barbosa e a censura

Apesar de Adoniran Barbosa ser a favor da censura, dentro de certos parâmetros, na década de 1970 o compositor teve algumas músicas censuradas. “Tem que existir censura sim, senão abusam muito…

Tem gente que faz cada uma que não dá pra encarar… é pornografia pura… Eu acho que a censura é boa para frear um pouco, senão é fogo! Censura tem que ter, mas com inteligência. Por exemplo, as minhas músicas não dão problemas. Todavia, o samba ‘Despejo na favela’ foi censurado porque dizia ‘e essa gente aí’, se referindo aos favelados. Acharam isso subversivo. Ora, aí a censura não foi inteligente. Tratava-se de um fato comum e que acontecia todos os dias”, disse Adoniran na época.

A linguagem coloquial de falar dos paulistanos, misturado ao seu palavreado ítalo-caipira, propositadamente escrito com erros gramaticais, foi considerada ofensiva à língua portuguesa e cinco músicas do sambista foram censuradas em 1973, quando Adoniran quis gravar um LP, inclusive algumas músicas que já haviam sido gravadas na década de 1950.

Com relação à censura ao “Samba do Arnesto”, há uma leitura, que além da questão dos erros gramaticais, “Arnesto” seria uma alusão a Ernesto Geisel, general escolhido para presidente pela junta militar que governava o país e empossado em 1974. Diante da linguagem coloquial de “Samba do Arnesto” (Adoniran Barbosa – Alocin), que trazia nos seus versos “O Arnesto nos convidou prum samba/ Ele mora no Brás/ Nóis fumo/ Num encontremo ninguém/ Fiquemo cuma baita duma réiva/ Da outra veiz nóis num vai mais (Nóis num semo tatu)”, o censor só liberaria a música se ele regravasse cantando assim: “Ficamos com um baita de uma raiva/ Em outra vez nós não vamos mais (Nós não somos tatus)”.

Incoerentes e pouco inteligentes como sempre, os censores nem perceberam, ou nem se importaram com os Originais do Samba, que regravaram “Samba do Arnesto” na mesma época e tiveram um enorme sucesso com a música, inspirando uma infinidade de regravações por vários cantores da época.

Na letra da música “Tiro ao Álvaro” (Adoniran Barbosa – Oswaldo Moles), a censora faz um círculo nas palavras “táuba”, “revorve” e “artormove”, concluindo que a “falta de gosto impede a liberação da letra”. Para que pudessem ser aprovadas, “Samba do Arnesto” e “Tiro ao Álvaro” teriam que virar “Samba do Ernesto” e “Tiro ao Alvo”.

“Já fui uma brasa” (Adoniran Barbosa – Marcos César) – “Eu também um dia fui uma brasa. E acendi muita lenha no fogão” – e “O Casamento do Moacir” (Adoniran Barbosa – Oswaldo Moles) – “A turma da favela convidaram-nos para irmos assistir o casamento da Gabriela com o Moacir“ – foram consideradas de “péssimo gosto” pela censora Eugênia Costa Rodrigues. Diante da censura, Adoniran Barbosa não mudou a sua obra, deixou para gravar as músicas mais tarde, quando a incoerência e a falta de conhecimento e bom senso dos censores já tivesse passado.

Entretanto, não foram só censores desprovidos de cultura e incoerentes que se opuseram à linguagem coloquial e ítalo-caipira-paulistana de Adoniran. O compositor paulista costumava lembrar que Vinícius de Moraes havia criticado, em um artigo de revista, os erros de português contidos no “Samba do Arnesto”, por ocasião do lançamento da música. Isso antes de Vinícius cunhar a célebre e malfadada expressão: “São Paulo é o túmulo do samba”, da qual se penitenciaria publicamente depois.

Em vez de rebater as críticas pelos jornais e acender uma polêmica com o intelectual fluminense, Adoniran apenas esperou. E sua resposta só poderia ter vindo em melhor estilo, quando do sucesso da música “Bom dia tristeza”, letra de Vinícius de Moraes e música de Adoniran. O sucesso da música foi um tapa com luva de pelica dado por Adoniran em seu parceiro por correspondência. Verdadeiro gentleman, o compositor paulista jamais demonstrou satisfação com o fato de ter feito Vinícius engolir suas palavras.

Salve Adoniran Barbosa, o grande cronista de São Paulo, que mesmo incompreendido muitas vezes por censores e até por intelectuais, construiu uma obra artística espetacular e original, e deixou um legado fantástico para as gerações futuras.

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