Filho de peixe, peixinho é, diz o ditado popular. Com Ademir da Guia, não foi diferente. O pai, Domingos da Guia, o “Divino Mestre”, disputou a Copa de 1938, na França, sob a Segunda Guerra Mundial. Considerado o melhor zagueiro da história do futebol brasileiro, o velho Domingos jogou em clubes argentinos e uruguaios, mas em São Paulo, defendeu o arquirrival Corinthians. Clássico e irreverente, costumava sair de sua área driblando os atacantes, jogada que ficou conhecida como ‘domingada’.
Ademir da Guia, que herdou parte de apelido do pai, o ‘Divino’, é de família carioca, mas brilhou mesmo foi no Palmeiras, o antigo Palestra Itália, clube onde foi titular por 16 anos, época em que o atual Verdão era considerado a “Academia”. Foi o maior ídolo da história palmeirense e se tornou a figura central de um dos maiores esquadrões do futebol brasileiro. Perto de completar 75 anos de idade no dia 3 de abril, o “Divino estará neste domingo, em Sales Oliveira, às 10 horas da manhã, na Associação Atlética Salense, para uma apresentação do Master do Palmeiras. O ingresso será um quilo de alimento não perecível e toda a arrecadação será destinada à Casa do Vovô.
Ao mesmo tempo em que é reverenciado como um dos mestres dos gramados por onde pôde desfilar seu estilo de jogo e sua elegância no trato com a bola, Ademir da Guia digere o gosto amargo de ser considerado um dos jogadores mais injustiçados do nem sempre justo futebol brasileiro. Com apenas 14 convocações para a seleção brasileira em seu currículo, o “Divino” disputou uma única partida em Copas do Mundo, a de 1974, quando o Brasil já estava fora da disputa do título e teria que enfrentar a Polônia, em busca de um inexpressivo terceiro lugar (1 a 0 para a Polônia), retumbante fracasso quatro anos após a conquista histórica do Tri, no México, seleção para a qual não foi convocado.
Ademir, alto e esguio, chegou a atuar como centroavante antes de assumir a número 10 com a qual marcou época no futebol. O Palmeiras foi um dos únicos times brasileiros a fazer frente ao Santos de Pelé. Durante a passagem do “Divino” pelo alviverde, o clube paulistano foi pentacampeão brasileiro. Também se não fosse o Palmeiras, o Santos teria sido campeão paulista onze vezes seguidas.
Após pendurar as chuteiras e abandonar os gramados por onde esbanjou categoria, talento e brilhantismo, o ‘Divino’ atreveu-se a enveredar nos campos da política. Foi vereador da cidade São Paulo em 2004. Inicialmente eleito pelo PCdoB, migrou posteriormente para o PL, atual Partido da República (PR). Mais tarde tentou, sem sucesso, chegar à Assembleia Legislativa.
Um carioca que veio brilhar em São Paulo
O ‘Divino’ chegou a São Paulo logo no início da década de 1960, vindo do Bangu-RJ, clube que o revelou para o futebol, assim como a seu pai e a seu tio, Ladislau da Guia (até hoje maior artilheiro da história do Bangu, com 215 gols), para jogar no Palmeiras onde permaneceu até encerrar a carreira em 1977.Ao lado de Dudu – ex- Ferroviária de Araraquara e tio de Dorival Júnior – formou o célebre meio-de-campo Dudu & Ademir. Foi cinco vezes campeão Brasileiro, cinco vezes campeão Paulista e tem a impressionante marca de 901 jogos disputados, 153 gols marcados e dezenas de títulos conquistados, entre campeonatos oficiais e torneios amistosos nacionais e internacionais.
Em 1984, já aposentado, jogou um amistoso festivo pelo Palmeiras. Em 2001, teve sua biografia publicada. Em 2006, foi lançado um documentário sobre a sua carreira, intitulado “Um craque chamado Divino”.
No dia 25 de outubro de 2014, diante de 10 mil convidados Ademir da Guia foi homenageado pelo Palmeiras. Na época contava com 72 anos. A festa fez parte de um evento-teste do Allianz Parque, nova arena do Palmeiras inaugurada oficialmente dias depois.
O jogo terminou empatado com o placar de 3 a 3, sendo que um dos gols, de pênalti, foi marcado por Ademir, o primeiro da história da nova arena.
Para Sócrates, Ademir foi um grande ‘bailarino’
“O futebol nos ofereceu em sua trajetória um grande bailarino, Ademir da Guia, a colocação impecável, a fronte eternamente erguida, a calma irritante, o passe perfeito, a simplicidade dos gestos, o alcance dos passos, a lentidão veloz e o raciocínio implacável ficaram definitivamente em nossa memória. Ademir representou o vértice da serenidade e competência. Passeava pelos gramados como um cisne, encantando a todos. Infelizmente, esse arsenal de qualidades nunca foi usado pela seleção brasileira, que, através de seus representantes, não atendia o clamor popular pela sua convocação, sempre excluindo-o. A cada convocação, todos esperávamos ansiosos e nos perguntávamos se ele seria parte da lista. Injustiça! É uma honra escrever o prefácio de sua história!” ]
Em 1975, João Cabral de Melo Neto dedicou-lhe um poema:
Ademir impõe com seu jogo
o ritmo do chumbo (e o peso),
da lesma, da câmara lenta,
do homem dentro do pesadelo.
Ritmo líquido se infiltrando
no adversário, grosso, de dentro,
impondo-lhe o que ele deseja,
mandando nele, apodrecendo-o.
Ritmo morno, de andar na areia,
de água doente de alagados,
entorpecendo e então atando
o mais irrequieto adversário.
Fonte: Publicado no livro Museu de tudo (1975).
Uma relíquia de nosso futebol
Jogadores da Velha Guarda do Verdão ainda desfilam talento
A equipe do Master do Palmeiras é formada sempre por jogadores que já tenham atuado pelo Verdão, com escalações variadas. Fazem parte do elenco Adãozinho, Ademir da Guia, Alfredo Mostarda, Baroninho, Betinho, Carlão, Chiquinho, Claudecir, Denys, Edu Bala, Esquerdinha, Gallo, Gerson Caçapa, Gilmar, Guina, Guto, Jorginho Putinatti, Luiz Sergio, Mário, Moraes, Reinaldo Xavier, Ricardo Longhi, Sérgio, Rosemiro, Silva, Todinha, Tonhão, Zé Luis, Zé Mario Crispim, entre outros.