A ex-prefeita Dárcy Vera (sem partido) depôs na manhã desta terça-feira, 5 de dezembro, perante o juiz Lúcio Alberto Enéas da Silva Ferreira, da 4ª Vara Criminal de Ribeirão Preto. Ela negou com veemência a acusação de ter recebido R$ 7 milhões de propina do esquema que teria desviado R$ 45 milhões via honorários advocatícios de uma ação de perdas do Plano Collor (acordo dos 28,35%) para 3,5 mil servidores.
O ex-presidente do Sindicato do Servidores Municipais de Ribeirão Preto (SSM/RP), Wagner Rodrigues, também réu na ação penal dos honorários, fechou acordo de delação premiada com o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) e acusa a ex-prefeita de ter embolsado R$ 7 milhões.
Detida há quase oito meses na Penitenciária de Tremembé, Dárcy Vera estava desde a semana passada no presídio feminino de Vila Branca, na Zona Oeste de Ribeirão Preto. A sala de audiências da 4ª Vara Criminal, no segundo andar do prédio do Fórum Estadual de Justiça, estava lotada, com 25 das 26 cadeiras ocupadas por advogados dos demais réus da ação penal e por jornalistas. A ex-prefeita entrou no recinto às 9h27, acompanhada de dois policiais militares.
Com uniforme de presidiária (calça cáqui, camiseta branca e blusa e moletom marrom), acima do peso e com os cabelos longos e escuros, Dárcy Vera fez um cumprimento assim que entrou na sala com os braços cruzados nas costas, mas sem algemas. “Bom dia a todos”, disse a ex-prefeita. Sentou-se ao lado da advogada Cláudia Seixas e respondeu a uma única pergunta do juiz: disse que se chamava Dárcy da Silva Vera e que, apesar de respeitar a Justiça, os advogados e os promotores presentes, por orientação de sua advogada iria responder apenas aos questionamentos formulados por sua defesa.
Nos 20 minutos seguintes, o promotor Frederico Francis Mellone de Camargo fez dezenas de perguntas, enquanto Dárcy Vera fazia anotações em um caderno, sem nem dirigir o olhar ao membro da equipe de acusação. Após as perguntas não respondidas do promotor, o juiz Lúcio Alberto abriu a palavra aos advogados dos demais réus na ação penal, e a maioria disse não ter perguntas, apenas o advogado do réu e delator Wagner Rodrigues fez questão de que algumas indagações fossem consignadas na ata do depoimento.
Em seguida, a advogada de Dárcy Vera tomou a palavra. Cláudia Seixas começou dizendo que todos ali mereciam respeito e que sua cliente não deveria pedir desculpas quando apenas se vale do direito constitucional de permanecer em silêncio. Destacou ainda que, de acordo com o artigo 198 do Código Penal, silêncio que não implica em confissão não pode ser levado em prejuízo do réu. Pedindo a sua cliente que mantivesse a calma e não se intimidasse, começou uma série de indagações, que Dárcy Vera respondeu sem titubear.
Dárcy Vera contou que jamais havia respondido a um processo criminal, que antes de ser presa ganhava líquidos cerca de R$ 13 mil e que possui quatro filhos e um neto. Negou, com veemência, ter participado do rateio dos honorários do acordo dos 28,35% – a Polícia Federal e o Gaeco sustentam que ela ficou com R$ 7 milhões dos R$ 45 milhões pagos pela prefeitura à advogada Maria Zuely Alves Librandi, também ré na mesma ação penal e que representou o SSM/RP no acordo.
Dárcy Vera disse ter tomado empréstimo de aproximadamente R$ 120 mil de Maria Zuely (leia box) Ao final de mais de uma hora, com a voz embargada, desafiou o Gaeco a provar que ela recebeu a quantia. “Com toda a tecnologia que eles têm, como não conseguiram rastrear R$ 7 milhões?”, perguntou. “Não fiz corrupção, eu recebi dinheiro da douotora Zuely, mas era empréstimo. Sou inocente e vou provar minha inocência”, afirmou a ex-prefeita de Ribeirão Preto.
A ex-advogada do Sindicato dos Servidores Municipais, Maria Zuely Alves Librandi, também depôs ontem e voltou a afirmar que jamais pagou propina e que foi vítima de extorsão. Ela já havia dito que o dinheiro entregue a Dárcy Vera foi um empréstimo. Sobre os cheques que distribuiu, garante que foram repassados para o SSM/RP.
DÁRCY DISSE TER SIDO AGREDIDA NO FÓRUM
Em determinado trecho de seu depoimento, Dárcy Vera disse que, ao atender determinação judicial para comparecer ao Fórum Estadual de Justiça (ao ser liberada da primeira prisão), em dezembro, foi ofendida e agredida. ”Quando deixei a sala onde assinei a documentação, um servidor começou a entrar correndo nas salas e avisar que eu estava no local, incitando os funcionários e populares contra mim. Fui alvo de palavras ofensivas e quando estava perto da cantina levei um chute nas costas, tenho condições de reconhecer a servidora que me agrediu”, disse a ex-prefeita.
‘FAMÍLIA PASSA POR SITUAÇÃO DEPLORÁVEL’
Dárcy Vera afirmou em seu depoimento que sua família vem passando por dificuldades depois que ela foi presa. Segundo a ex-prefeita, antes da prisão, um filho morava e dependia dela, enquanto duas filhas faziam faculdade em São Paulo e ela pagava as mensalidades. Hoje, as duas filhas e uma prima dividem o aluguel de um pequeno apartamento na Liberdade, bairro paulistano – e uma das moças dorme na sala.
Dárcy Vera também disse que os únicos bens que possui são um apartamento na avenida do Café (Vila Tibério), onde moram a mãe e uma irmã, uma casa financiada (na Ribeirânia) e um veículo Fiat. ”Em Vila Branca fui procurada por um escrevente, já que o banco está cobrando as prestações atrasadas do financiamento. A casa que a Justiça bloqueou está sendo
DÁRCY CONFESSA TER SIDO TRAÍDA PELO EX-MARIDO
No depoimento, Dárcy Vera contou que manteve com Mandrisson Almeida um casamento tumultuado de cerca de dez anos. A ex-prefeita disse que se dedicava 24 horas à prefeitura, viajava muito, e que volta e meia era confrontada pelo marido, que pedia mais atenção. O casal chegou a se separar, mas depois retomou o casamento. Até que, em 2015, ao chegar em casa, Dárcy Vera teria flagrado Mandrisson ”em uma conversa meio íntima” com outra pessoa e que, ao constatar que ele mantinha outro relacionamento, desistiu do casamento. Mas,segundo ela, a enquanto a separação de corpos se deu em 2015, o término do casamento só foi oficializado em 2016.
JUIZ ALERTA PARA RISCO DO SILÊNCIO
A advogada Cláudia Seixas destacou durante o depoimento de sua cliente que o silêncio da ex-prefeita Dárcy Vera, ao se recusar a responder aos questionamentos da promotoria, não implica em confissão, citando o artigo 198 do Código de Processo Penal. Mas pouco antes de encerrar a audiência, o juiz Lúcio Alberto Enéas da Silva Ferreira abriu o CPP e citou a íntegra do artigo (”O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz”), deixando claro que a negativa de Dárcy Vera em responder às perguntas do promotor Frederico Camargo será levado em conta na hora de anunciar o veredicto, previsto para o início do ano que vem – entre fevereiro e março.
DÁRCY CRITICA A IMPRENSA
Em determinado momento de seu depoimento, Dárcy Vera dirigiu-se aos jornalistas presentes e criticou a cobertura da imprensa. ”Vocês sabem que jornalismo a gente faz por amor e por vocação. Foi assim comigo. Mas o jornalismo precisa ser imparcial, isento, sério, e não fazendo trocadilhos, zombando. A imprensa está condenando as pessoas antecipadamente”.
DÁRCY ACUSA AGENTE DA POLÍCIA FEDERAL
Confrontada pela advogada Cláudia Seixas com os nomes das testemunhas de acusação, e indagada se tinha algo contra alguma delas, Dárcy Vera, ao escutar o nome de um agente da Polícia Federal, disse que ele é casado com uma mulher que fazia parte do corpo jurídico da Coderp e que por isso deveria ter alegado suspeição e não participado da investigação. A ex-prefeita afirmou ter lido o relatório elaborado pelo agente e que o mesmo ”é parcial está contaminado”.
EX-PREFEITA DIZ QUE CONHECEU MARCO ANTÔNIO EM CENTRO ESPÍRITA
Indagada pela sua advogada como conheceu o ex-secretário da Administração, ex-superintendente da Companhia de Desenvolvimento Econômico e do Departamento de Água e Esgotos de Ribeirão Preto (Daerp), o advogado Marco Antônio dos Santos, também preso e apontado como o braço direito da ex-prefeita no Palácio Rio Branco, Dárcy Vera disse que o conheceu ainda nos tempos de vereadora, quando frequentou um centro espírita na Vila Tibério. Marco Antônio era um dos professores da doutrina kardecista ensinada no local.
Dárcy Vera explicou como conheceu a maioria dos réus da ação penal que responde. Ela disse ter conhecido Wagner Rodrigues quando ele, na condição de sindicalista, era candidato a presidente do Sindicato dos Servidores Municiais e frequentava a Câmara. Quanto à Maria Zuely Alves Librandi, a ex-prefeita disse tê-la conhecido quando a advogada fez parte da equipe de transição entre a administração Welson Gasparini (PSDB) e a sua, equipe essa coordenada por Paulo Saquy.
Quanto ao também advogado Sandro Rovani, disse que foi apresentada a ele por Wagner Rodrigues e que ele atuou no processo de adoção de sua primeira filha. Todos os réus citados negam os crimes praticados – organização criminosa, peculato e corruopção ativa e passiva -, afora Rodrigues.
ATRASO DE CONTAS GEROU EMPRÉSTIMO
Para responder sobre os motivos de ter aceito empréstimos da ex-advogada do Sindicato dos Servidores Municipais de Ribeirão Preto (SSM/RP), Maria Zuely Alves Librandi, Dárcy Vera relembrou antigo episódio em que ganhou as manchetes dos jornais por atrasar três contas do Departamento de Água e Esgotos (Daerp). A ex-prefeita contou que, quando o pagamento do funcionalismo mudou de banco (do Santander para a Caixa Econômica Federal), ela se esqueceu de colocar as contas de água no débito automático.
Segundo ela, após a grande repercussão na mídia, Maria Zuely a procurou e disse que ”era feio, era vergonhoso” e que ”não ficava bem” para uma prefeita aquela situação, oferecendo, então, o empréstimo. Dárcy Vera disse ter recusado, dizendo que tinha sido apenas uma falha de organização. Na ocasião, a advogada teria alertado a ex-prefeita – ”se precisar, avise”.
Dárcy disse que ”quando se viu apertada outra vez”, pediu dinheiro emprestado a Maria Zuely. ”Ela me viu nervosa, perguntou o que era, eu disse que estava com os cartões de crédito atrasados e que não tinha dinheiro para pagá-los”, afirmou. Segundo a ex-prefeita, Maria Zuely disse que era muito desagradável se ela tivesse o nome protestado e ofereceu ajuda financeira.
”Esse é o perfil dela, a doutora Zuely ajudava a todos que precisavam. Ela emprestou ou deu dinheiro para muita gente na prefeitura, não foi só comigo”, disse. A ex-prefeita afirma que a advogada comprava rifas beneficentes de todos que a procuravam, que ela pagava a conta de luz de uma moça chamada Maria José, pagava a faculdade de outra, e que até o piso da nova sede da Cetrem foi Maria Zuely quem bancou.
”E eu só fiquei sabendo disso depois que acabou meu mandato. A doutora. Zuely me disse que fazia isso por causa de uma promessa a Nossa Senhora Aparecida”, afirmou Dárcy Vera. Segundo a ex-prefeita, ela recebeu de Maria Zuely quantias de R$ 5 mil, R$ 10 mil, R$ 20 mil, totalizando cerca de R$ 120 mil. ”Pretendia pagar quando saísse da Prefeitura, tinha férias para receber, mas fui presa e nunca paguei a Zuely”, disse.
TCE REJEITA MAIS UMA CONTA DE DÁRCY VERA
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) emitiu parecer contrário à aprovação dos balanços apresentados pela gestão Dárcy Vera (à época no PSD) referente ao ano de 2015. A decisão é unânime, mas a ex-prefeita ainda pode apresentar recurso. Esta é a quinta vez que a ex-chefe do Executivo ribeirão-pretano tem as contas rejeitadas – em oito anos de Palácio Rio Branco, de 2009 a 2016, o TCE julgou irregulares os exercícios de 2010, 2012, 2013, 2014 e agora 2015. As contas de 2016 serão avaliadas pelo tribunal no ano que vem. Apenas os balanços de 2009 e 2011 foram aprovados.
A decisão do TCE foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) de segunda-feira, 4 de dezembro. Os conselheiros indicam ”ausência de recolhimento dos encargos sociais, déficit orçamentário de 2,13% e efetivação de transferência, remanejamento e transposição de dotações sem leis específicas”. Citam, também, que o governo Dárcy Vera esteve perto de romper o limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), já que gastou 50,06% com pessoal, sendo que o limite é de 51,3%. O parecer contrário das contas municipais de 2015 – assim como o de 2014 – agora vai passar por avaliação da Câmara. No histórico, a conta de 2010 teve parecer contrário derrubado pelos vereadores. Já os pareceres de 2012 e 2013 foram acatados no ano passado, deixando a ex-prefeita inelegível por oito anos.