Por ocasião da Proclamação da República, a 15 de novembro de 1889, Machado de Assis, grande admirador de D. Pedro II, tinha cinquenta anos e ocupava um alto posto no funcionalismo público da Corte. Escritor conhecido, que circulava pelo paço imperial algumas vezes, ali deixando sua assinatura no livro de visitas, traz, dentre sua extensa bibliografia, o romance “Esaú e Jacó” (1904), penúltima de suas últimas obras. De título extraído da Bíblia, remetia o leitor ao Gênesis, especificamente à história de Rebeca, que privilegia o filho Jacó, em detrimento do outro filho, Esaú, fazendo-os inimigos irreconciliáveis, tal qual ocorria com a inimizade dos ficcionais gêmeos Pedro e Paulo.
Na obra, Pedro e Paulo seriam “os dois lados da verdade”. Filhos gêmeos de Natividade e Agostinho Santos, à medida que iam crescendo, definiam seus temperamentos diversos: são rivais em tudo. Paulo é impulsivo, arrebatado, Pedro é dissimulado e conservador, o que vem a ser motivo de brigas entre os dois. Já adultos, a causa principal de suas divergências passa a ser de ordem política: Paulo é republicano e Pedro, monarquista. Narrando, pelo ponto de vista do Conselheiro Aires, um diplomata aposentado, as opiniões sobre os fatos, bem como, os esclarecimentos acerca das situações e atitudes das personagens, o romance contextualiza o período de transição do regime monárquico para o republicano, mencionando a Proclamação da República no trecho que cobre o início do capítulo 49 ao final do capítulo 63, mais precisamente no que ficou conhecido como Episódio da tabuleta.
Neste, no diálogo que se estabelece entre o Conselheiro Aires e Custódio, dono de uma confeitaria, é possível perceber, entre ironias e metáforas, a opinião de Machado de Assis sobre o novo regime. Acompanhemos o excerto: “quando toda gente voltou da ilha com o baile na cabeça”, mencionando como ocorrera o célebre Baile da Ilha Fiscal, em 9 de novembro de 1889, a personagem Custódio, depois de muita relutância, mandara pintar a tabuleta que levava o nome de sua loja, Confeitaria do Império, na rua do Catete, ocasião em que o pintor avisa então que “a tábua está velha, e precisa outra; a madeira não aguenta tinta (…) está rachada e comida de bichos”. Machado, sagaz, imediatamente associou a descrição dada pelo pintor à monarquia, a saber, um regime velho, decadente, comprometido e sem sustentação, que não suportava mais nenhuma reforma, necessitado, sim, de modificar-se desde a raiz para sobreviver.
Encomendada nova tabuleta, eis que ocorre o golpe da República, o que leva Custódio a enviar um bilhete ao pintor com o seguinte recado: “Pare no d.”, uma vez que não sabia se era melhor concluir a pintura com a palavra Império ou República. O que se extrai disso? O humor e a ironia de Machado, que, sabendo ser o Brasil da época um país que mudava tudo para manter tudo como estava (qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência), reduz a Proclamação da República a uma simples troca de tabuletas, mudança só de nomes, ou seja, mudança só de fachada.
Machado, considerado, por muitos, um homem alheio a movimentos de tal natureza, indiferente, frio e inteiramente desligado das paixões políticas, revela, nesta obra, que, “Há nos mais graves acontecimentos, muitos pormenores que se perdem, outros que a imaginação inventa para suprimir os perdidos, e nem por isso a história morre”, afirmação, esta, que, ao contrário do que muitos acreditam sobre sua indiferença política, discute, sim, e analisa, ainda mais, uma das mais importantes épocas da política brasileira. Nos tempos bicudos em que vivemos, o autor teria matéria-prima de primeira para dar continuidade a sua verve crítica.