Por Luiz Carlos Merten
Considerado um dos mais importantes diretores da geração que forjou a nova Hollywood, Martin Scorsese nasceu em 17 de novembro de 1942 em Nova York – e portanto completa 75 anos nesta sexta-feira. De família ítalo-americano, religiosa, chegou a entrar no seminário, para ser padre, mas o amor pelo cinema foi mais forte. Tornou-se diretor, e estreou em 1963 com o curta What a Nice Girl Like You Is Doing in a Place Like This. Quatro anos mais tarde, foi o longa Who’s That Knocking in My Door?, com Harvey Keitel e aquela que seria sua montadora preferida, Thelma Schoonmaker, viúva do cineasta inglês Michael Powell, um dos mestres declarados de ‘Marty’, como é chamado pelos amigos.
Justamente os amigos. Formava um grupo inseparável com Brian De Palma, Francis Ford Coppola, George Lucas e Steven Spielberg. O primeiro foi quem o apresentou a Robert De Niro, que virou, por muitos anos, seu ator fetiche. Em 1970, foi um dos montadores do documentário Woodstock, de Michael Wadleigh, sobre o célebre concerto de música. Através de Wadleigh, aproximou-se de John Cassavetes, que também virou um amigo.
Em 1972, dirigiu Boxcar Bertha, no Brasil Sexy e Marginal, que teve produção de Roger Corman – o mestre do filme barato ensinou-lhe que gastar pouco é a melhor garantia de manter a independência. Em 1973, com Esquinas Perigosas, Mean Streets, começa verdadeiramente sua carreira. Em 1975, ganhou a Palma de Ouro por Taxi Driver, Motorista de Táxi, com De Niro como Travis, o motorista neurótico que vara a noite de Nova York na direção de seu carro, envolvendo-se numa conspiração. Como Travis, diante do espelho, De Niro diz a frase “Are you talking to me?”. Talvez seja o momento de cinema mais famoso filmado por Scorsese.
Em 1980, fez seu maior filme com De Niro – Touro Indomável, a cinebiografia do pugilista Jake La Motta, pelo qual “Bob” recebeu o Oscar. Cinco anos mais tarde foi melhor diretor em Cannes por Depois de Horas. Em 1986, fez seu filme mais mainstream, A Cor do Dinheiro, sequência do cultuado Desafio à Corrupção, de Robert Rossen, de 1961. Retomando o personagem do ás da sinuca Eddie Felson, Paul Newman ganhou o Oscar. Em 1987, dirigiu o vídeo Bad, para Michael Jackson. Fez depois sua Paixão de Cristo – a Última Tentação de Cristo. No começo dos anos 1990, Os Bons Companheiros teve um impacto considerável – e o plano sequência da abertura do filme permanece antológico.
Há controvérsia, mas talvez tenha sido o último grande filme de Scorsese. Seus maiores triunfos são obras nascidas de parceria – com o roteirista Paul Schrader, com quem compartilhava a admiração por autores como Robert Bresson, Carl Theodor Dreyer e Yasujiro Ozu (e os temas da culpa e da redenção); a já citada montadora Schoonmaker; o ator De Niro; e a produtora Barbara de Fina. Em 2002, iniciou a parceria com Leonardo DiCaprio, que só os fãs de carteirinha elogiam sem restrições – As Gangues de Nova York, seu filme mais caro; O Aviador, que não vale o poderoso Os Insaciáveis, de Edward Dmytryk, com George Peppard, de 1964, sobre o mesmo personagem (Howard Hughes); The Departed/Os Infiltrados, remake de um thriller de Hong-Kong, pelo qual recebeu o Oscar – entregue pelos amigos Coppola, Spielberg e Lucas, – e o terror A Ilha do Medo.
O Oscar: talvez parecesse arrogância, mas Scorsese estava certo ao declarar – “Não preciso mais desse prêmio. Talvez tenha vindo muito tarde.” Veio por um que não é de seus melhores filmes, com certeza. Gostando-se ou não de seus filmes recentes, Scorsese tem feito um trabalho extraordinário à frente da World Foundation.
Admirador do cinema mundial, tem contribuído para o restauro de obras viscerais de diversas cinematografias. É um crítico pertinente – suas viagens pelo cinema americano e o neorrealismo italiano são valiosíssimas, pela riqueza do material e justeza das observações. Cartas a Elia Kazan é uma obra apaixonante sobre um dos mais polêmicos autores do cinema, e não apenas de Hollywood. A delação, quando Kazan colaborou com o macarthismo, fez dele um maldito.
Scorsese sempre admirou Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, como um grande filme. E ultimamente iniciou colaboração com o produtor brasileiro Rodrigo Teixeira, da RT Features. Juntos produziram La Ciambra, que a Itália indicou como seu candidato ao Oscar de filme estrangeiro no próximo ano. Duas frases que o definem – “Eu queria apenas ter sido um padre comum” e “Agora mais do que nunca nós temos que conversar uns com os outros, ouvir uns aos outros e entender como vemos o mundo e (o) cinema é o melhor meio de fazer isso”.