A Câmara de Ribeirão Preto paga salário médio de R$ 5,8 mil a seus porteiros. São 19 no total, e um deles recebe mais de R$ 20 mil. Todos foram aprovados em concurso público lançado na época em que a Casa de Leis era comandada pelo então presidente Cícero Gomes da Silva (PMDB), investigado na Operação Sevandija. Todos já haviam trabalhado em cargos comissionados. Todos incorporaram aos novos vencimentos os valores da época de gabinete. Faltam portas no Palácio Antônio Machado Sant’Anna para tanto empregado.
O edital do concurso público nº 01/2013, lançado pelo então presidente Cícero Gomes da Silva, informava a existência de uma vaga de “agente de operações/porteiro(a)”, com exigência de escolaridade do ensino fundamental e salário de R$ 1.036,44 (hoje deveria ser de R$ 1.286,25).
O edital também informava quais as atribuições do ocupante do cargo: “tarefas de natureza operacional, abrangendo as áreas de limpeza, conservação, zeladoria, cozinhas, estoques, abastecimento, lavagem e lubrificação de veículos, operação de equipamentos, atendimento telefônico bem como apoio operacional para tarefas específicas como portaria, recepção e triagem”.
O concurso teve validade de dois anos e, ao longo de 2013 e 2014, a então Mesa Diretora da Câmara criou mais vagas, permitindo a nomeação de mais 18 “porteiros”. No mês passado, outubro, o Legislativo pagou aos “zeladores” salários de R$ 5.715,94 (matrícula nº 2.133), R$ 6.874,26 (nº 2.122), R$ 6.998,51 (servidor nº 2.097), R$ 11.659,23 (matrícula nº 2.121), R$ 15.418,65 (nº 2.111) e R$ 20.046,00 (servidor nº 2.126). O vencimento médio do “grupo dos 19” hoje está em R$ 5.865,67.
Ao ser lançado, o concurso previa a contratação de apenas um funcionário, com salário atual (corrigido) de R$ 1.286,25. Ou seja, ele custaria, ao ano (com o décimo terceiro salário), exatos R$ 16.721,25 (sem encargos). Mas com a criação de mais 18 vagas, a incorporação dos vencimentos que os aprovados recebiam quando ocupavam cargos comissionados e as gratificações (são 40 tipos), o custo para o Legislativo passou para R$ 1.448.822.
O gasto estimado em R$ 16,7 mil ao ano saltou para R$ 1,4 milhão – contando apenas os salários de 18 “porteiros”, já que um dos nomeados (servidor matrícula nº 2.123) atualmente ocupa o cargo de assessor direto do vereador Adauto Marmita (PR), onde ganha R$ 7.430,46.
“Não tem onde pôr” – O vereador Rodrigo Simões (PDT), presidente da Câmara, disse ao Tribuna, em entrevista concedida nesta terça-feira, 14 de novembro, que “não tem como pôr os 19 porteiros para trabalhar na portaria, pois não cabem na recepção”. Em função da falta de espaço, o pedetista confirmou que a maioria exerce outra função, em outros locais do Legislativo. “Nem fazendo turnos consigo escalar todos lá na portaria”, explica o presidente.
Apadrinhados – O Tribuna apurou que o concurso para porteiro lançado no início de 2013 foi na verdade uma “cortina de fumaça” para permitir a efetivação de funcionários comissionados apadrinhados por um vereador que por décadas deteve o poder dentro do Legislativo. Com a designação de porteiro, o salário de pouco mais de R$ 1.036,44 e a exigência de escolaridade do ensino fundamental, a ideia era atrair poucos interessados e de baixa qualificação, facilitando a aprovação dos preferidos
Para garantir uma melhor performance dos apadrinhados, o edital estabeleceu que a prova teria questões de português, matemática e sobre o Regimento Interno (RI) da Câmara – onde os aprovados já trabalhavam. Como o RI é extenso, definiu-se alguns poucos artigos (artigos 1º ao 8º; artigos 35 º ao 37º; artigos 141º ao 150º) para que todos pudessem decorá-los.
O plano deu certo. A grande maioria dos 19 “porteiros” contratados era formada por ex-ocupantes de cargos comissionados. Como no ano anterior ao do concurso (2012), quando a Câmara também era presidida por Cícero Gomes da Silva, foi aprovada uma emenda autorizando que servidores comissionados, se aprovados em concurso público, poderiam incorporar ao vencimento de “porteiro” o que ganhavam como comissionados, os nomeados já entraram ganhando três, quatro, cinco, dez ou mesmo 20 vezes mais do que estava previsto no edital.
O Tribuna apurou que muitos possuem nível superior. Entre eles, advogados com mais de 50 anos de idade – uma prova de humildade: participaram de um concurso para porteiro, com nível de escolaridade do ensino fundamental, e hoje recebem salários entre R$ 15 mil e R$ 20 mil.
Ministério Público – Na semana passada um munícipe protocolizou, no Ministério Público Estadual (MPE), pedido de investigação sobre os “supersalários” pagos pela Câmara. Na mesma semana o Tribuna mostrou que, em outubro, o Legislativo pagou salários de mais de R$ 60 mil a alguns servidores. Os 98 funcionários efetivos – dezenas deles contratados entre 2010 e o ano passado – custam para os cofres públicos mais de R$ 7 milhões ao ano. Ou exatamente o montante que, diz a Polícia Federal, a ex-prefeita Dárcy Vera recebeu dos “honorários” da advogada Maria Zuely Alvs Librandi. Ambas estão pesas na Penitenciária de Tremembé. Já na Câmara o clima continua o mesmo.