Tribuna Ribeirão
Artigos

“Se o Passado Não Tivesse Asas”, de Pepetela

A questão? Os meninos de rua de Luanda. A apresentação? Uma obra dividida em duas partes: uma, que se inicia em 1995 e chega até os dias atuais, outra, que se inicia em 2012, ano em que, após várias décadas em guerra, Angola alcançou a paz, também se estendendo até a contemporaneidade. Na primeira, o retrato de uma sociedade repleta de crianças órfãs, que viviam na rua e sobreviviam do lixo, enquanto pessoas com grandes possibilidades materiais nada faziam por elas. Na segunda, “Himba, treze anos acabados de fazer, perde-se do resto da família, vendo-se de repente sozinha no mundo. Sem outros meios que não sejam a sua inteligência, consegue chegar a Lunda, onde conhece Kassule, um menino de dez anos que perdeu uma perna devido a estilhaços de uma mina. Ambos órfãos vítimas da guerra, dependendo do lixo dos restaurantes, unem-se para conseguirem subsistir, lutando pela sobrevivência dia-a-dia…”. Já a outra personagem, Sofia, “há muito aguarda uma oportunidade para mudar de vida, aceita gerir um restaurante, onde também dá conselhos sobre temperos. À medida que o restaurante vai ganhando clientes da classe alta de Luanda, também a ambição de Sofia vai sendo alimentada. E está disposta a agarrar todas as oportunidades que lhe garantam uma vida melhor, a ela e ao irmão Diego, um artista de rua que sonha expor em galerias”. Duas metades que existem em paralelo nas páginas da narrativa. “Duas histórias que se cruzam, que acabam por se juntar, e representam a situação actual do país, com esses problemas, de onde é que vieram. Escolhi a ilha, porque o contraste era tremendo”, nas palavras do autor. Encontrar o título da obra, que “quer dizer que o passado vem sempre, não se pode abandonar, não se pode esquecer, porque é fundamental para o futuro”, foi “a coisa mais difícil”.

Trechos? “(…) Mas a fome era demais. Ficaram parados a olhar para os comensais. Himba de cabeça inclinada, naquele jeito de pedir com os olhos que aprendeu com a vida (…)”. “(…) Clientes bem nutridos não podem ver crianças miseráveis e com fome, isso incomoda (…)”. “(…) Os miúdos sentaram na sombra da casuarina, se dividiram a comida, escondendo a ansiedade de engolir tudo de uma vez. Afinal, eles tinham tido educação, em casa, não eram animais (…)”. “(…) Era mais o tempo em que sentiam fome do que o tempo em que se esqueciam. Fome de pobre é a única constante desta vida, pensou, muito filosoficamente, Himba (…)”. (….) Luanda é dura de viver, Nguimbi sem alma, como se diz, mas tem um íman poderoso que suga as pessoas para si e dela não deixa escapar(…)”. “(…) Embora naquele meio fosse difícil fugir ao destino”, como vaticinava a Tia Isabel, a esperança não morria, alimentada pela capacidade de sonhar. “As ondas se trançam umas nas outras, fazem novelos. Que se ligam e entrelaçam, como a vida das pessoas. Era só uma questão de olhar. O mar tinha novelos, novelos de mar.(…)”. “(…) Himba nunca ia absolutamente tranquila, tinha medo de encontrar uma ponta do passado. Só serenava quando deparava com a senhora boa das trancinhas ou o Mariano. Então o passado começava a fazer música, perdia os tons de roxo violento, volteava entre os lilases e amarelos da música (…)”. “(…) Uma alma sensível, procurando, não o sentido da vida em si, mas o sentido da beleza do mundo. Para lá da desagregação do mundo, ou nessa mesma desagregação, ele descobria encanto, era quase um milagre” “(…) Era o ano de 2002. A paz desdobrou a sua manta sobre o país… e as pessoas voltaram a sonhar”.

Lançada em Luanda, em 5 de maio, data em que se comemora o Dia da Língua Portuguesa, o Instituto Camões – Centro Cultural Português, foi pequeno para a quantidade de presentes. Décimo sétimo romance do autor, “Se o Passado Não Tivesse Asas” foi antecedido por “O Tímido e as Mulheres”, lançado há três anos. Além desse gênero, o escritor também tem publicadas duas novelas, uma fábula e um livro de crônicas. Pepetela, pseudônimo literário de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, nasceu em Benguela, em 1941. Licenciou-se em Sociologia, em Argel, durante o exílio. Foi guerrilheiro do MPLA, político e governante. Foi, também, professor da Universidade Agostinho Neto, em Luanda. Em 1997, foi agraciado com o Prêmio Camões.

Postagens relacionadas

Nova relação com o cidadão

Redação 5

Urgente: Ribeirão Preto precisa investir em moradia popular 

Redação 2

Saneamento básico no Brasil é uma vergonha!

Redação 1

Utilizamos cookies para melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade. Aceitar Política de Privacidade

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com