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Rock in Rio precisa improvisar atração principal do primeiro dia

Divulgação

Mais do que o peso das atrações dos palcos Mundo e Sunset, o Rock in Rio coloca suas fichas definitivamente no conceito parque de diversões. A nova Cidade do Rock, no mesmo bairro de Jacarepaguá, tem o dobro do tamanho da anterior. A redistribuição dos brinquedos pelo espaço, trazendo a roda gigante para uma área mais central, e a estreia da área dos games ampliou as dimensões do que já parecia grandes e criou uma sensação de Disneylândia pop-rock. Em meio a tanta informação, a música precisa ser muito boa, ou ser feita por alguém de muita mobilização, para deixar de ser coadjuvante.

A primeira tensão, o cancelamento do show de Lady Gaga por causa de uma fibromialgia, obrigou a produção a fazer algo inédito em festivais no Brasil. Puxou o headliner de sábado para sexta também, o Maroon 5. Fãs de Maroon 5 amaram, os de Gaga se deprimiram.

Ivete Sangalo transformou a Cidade do Rock em uma grande micareta do amor no início da noite. Primeira atração do Mundo, começou o show com quatro músicas poderosas: O Farol, Festa, Sorte Grande e Abalou. “Quero fazer uma homenagem a alguém muito especial e que já tocou no Rock in Rio. Viva o grande Cazuza!”, disse, antes de uma performance dançante de Pro Dia Nascer Feliz

Barulho já se ouvia desde a tarde, quando o relógio passava das 17h e uma multidão se reunia na frente de um palco que não era nenhum dos mais procurados – os oficiais são o Sunset e o Mundo. Tudo ocorreu na Arena Itaú, no cantinho da Cidade do Rock.

Ali, diante de uma massa que não havia ainda sido vista no Rock in Rio 2017, essa figura de cabelos longos, platinados e lisos surgiu. Pabllo Vittar é um furacão. É a ebulição do pop nacional que vive a sua melhor fase, puxado pelo sucesso estrondoso de Anitta. A carioca, aliás, foi pedida pelo público do Rock in Rio depois da desistência de Lady Gaga, a headliner da primeira noite.

Um momento involuntariamente politizado aconteceu na apresentação de Fernanda Abreu, que se apresentou com o Dream Team do Passinho e o Grupo Focus. Quando falava sobre aquecimento global e consciência ambiental, irromperam da plateia gritos de “fora Temer”. “É, vamos tomar conta de nossas florestas”, foi sua resposta.

E então houve anticlímax, infelizmente. Fernanda Abreu fazia tudo certo, com funk, requebrado e suingue, até que o Palco Mundo abriu suas atividades cortando sua Rio 40 Graus, seu hit mais atemporal. Era para ser o ápice e se tornou uma correria para ver Gisele Bündchen anunciar um novo programa social do Rock in Rio. “Vamos dar as mãos para quem está do lado e imaginar que o mundo vai melhorar”, disse a modelo, que chorou na sequência. Depois disso, Ivete Sangalo cantou uma versão de Imagine, de John Lennon. Cantora e Gisele ficaram de mãos dadas e deixaram o Palco Mundo para a queima de fogos que marca o início das atrações principais do festival.

O indie foi representado pelo encontro de Céu e Boogarins, banda de Goiânia responsável por fazer o mundo prestar atenção na nova cena de rock psicodélico brasileira. Já sem fazer o público sofrer com o calor, Céu e Boogarins aproveitaram para propor uma viagem bem própria. A voz dela, vagarosa, passeia pelas notas como uma tarde de domingo nas canções próprias ou dos Boogarins. Os goianos, por sua vez, entendem o ponto de coexistência entre o experimental e o pop. Propõem uma jornada onírica, em formação que alterna baixo e teclados, sempre com duas guitarras entupidas de distorção.

Eles cantaram juntos e separadamente. Céu abriu a performance diante de um público já numeroso e disposto a cair na dança. Perfume do Invisível, do disco dela, Tropix, adocicou o clima árido em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Com o Boogarins, o rebolado deu lugar à cadência lenta. Juntos, uniram forças e qualidades, mesmo que, por vezes, o próprio sistema de som não parecesse preparado.

E na África… Algo de outro mundo, e que poucos viam, acontecia pela tarde toda na Rock Street, um espaço que acaba se perdendo na poluição visual da Cidade do Rock. Os africanos, trazidos ao Brasil pelo curador Toy Lima, chegavam como se estivessem em um festival só deles, capturando um público que passava por ali e parava curioso, sem saber bem do que se tratava. O espetacular grupo marroquino de Abdeslam Allikawe, chamado Tyous Gnaoua, trazia um som da África do Norte de quebrar as pernas. Eram sete homens descalços vestidos com longas e sedosas batas verde e brancas. O mais velho deles, Allikawe, é uma autoridade na música mundial. Único integrante a tocar um instrumento, sua voz puxava o coro dos homens bailarinos do Marrocos. Um deles sempre ia à frente do palco dançando em agachamentos e sorrisos largos, como fazem povos da ‘África branca’. Tudo ali era história. O instrumento de Allikawe era um legítimo guemberí, um corpo de madeira estreito com um braço e quatro cordas graves que Toy fazia questão de explicar ao ouvido do repórter: “É um bisavô do contrabaixo”. Ali havia um documentário vivo que, dentro do Rock in Rio, parecia menor, quase cenográfico.

A Rock Street, aliás, ganhou território e espaços de respiro. Em frente ao palco, um espelho d’água tentador por virar uma piscina, apesar das placas de proibido mergulhar, criaram ali um dos ambientes mais agradáveis. Depois dos marroquinos, um grupo de refugiados do Congo e de Angola, com vozes e cores lindas, entrou sem deixar cair aquela energia. O Rock in Rio, não por vontade, mas por impossibilidade, não consegue comunicar tudo o que faz com o mesmo destaque. E as atrações da Rock Street, que sozinhas seriam um festival à parte, se tornam quase uma pregação no deserto. Uma perna em São Paulo com algumas delas seria perfeita, em uma noite abraçada pelo Sesc, mas não houve articulação a tempo. Bem, azar de quem não viu. (Guilherme Sobota, João Paulo Carvalho, Julio Maria, Pedro Antunes e Roberta Pennafort)

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