Adriana Cristofoli
Aproximadamente um a cada três brasileiros, 31%, vive com obesidade e essa porcentagem tende a crescer nos próximos cinco anos. No país cerca da metade da população adulta, entre 40% e 50%, não pratica atividade física na frequência e intensidade recomendadas. Os dados são do Atlas Mundial da Obesidade 2025 (World Obesity Atlas 2024), da Federação Mundial da Obesidade (World Obesity Federation – WOF).
O relatório mostra que, no Brasil, 68% da população tem excesso de peso e, dessas, 31% têm obesidade e 37% sobrepeso. O Atlas traz ainda uma projeção de que o número de homens com obesidade até́ 2030 pode aumentar em 33,4%. Entre as mulheres, essa porcentagem pode crescer 46,2%.

O professor Hugo Tourinho, doutor em Educação Física, atual diretor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EEFERP/USP), realiza trabalho que busca combater esse problema. ”São vários os males que afetam a humanidade, porém são indiscutíveis o avanço da obesidade e as mazelas que a acompanha no terceiro milênio”, enfatiza.
Tourinho explica que a obesidade é definida como doença crônica associada ao excesso de gordura corporal, com etiologia complexa e multifatorial, resultando da interação de estilo de vida, genes e fatores emocionais.
“Sabe-se que 95% dos casos de obesidade estão ligados a fatores externos – socioambientais (obesidade exógena) e apenas 5% dos casos estão ligados à fatores neuroendócrinos e genéticos (obesidade endógena)”, explica.
Saúde pública
Segundo o Atlas, 60,9 mil mortes prematuras no Brasil podem ser atribuídas as doenças crônicas não transmissíveis devido ao sobrepeso e obesidade, como diabetes tipo 2 e Acidente Vascular Cerebral (AVC) – a informação é baseada em dados de 2021.

Diante destes números, o endocrinologista Marcio Mancini, diretor do Departamento de Tratamento Farmacológico da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso) e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), diz que o Brasil precisa tratar o sobrepeso e a obesidade com uma questão de saúde pública.
“É um problema de saúde pública, não dá mais para responsabilizar um indivíduo. Não dá para falar para aquela pessoa que sai às 5h da manhã de casa e chega em casa às 21h, que passa várias horas em transporte público, para comer mais frutas e legumes e ir para academia fazer exercício”, defende. “O problema de saúde pública tem que ser enfrentado com medidas de saúde pública”, enfatiza o médico.
“Atualmente a obesidade é um problema de saúde pública, pois junto com ela vem outras patologias dos quais se destacam: resistência à insulina, hiperglicemia, hipertensão arterial, dislipidemia e aumento do risco cardiovascular”, reforça o professor. Ele destaca que campanhas para alertar a população sobre a epidemia de obesidade que vive a sociedade é fundamental para conscientizar a todos sobre os riscos que estamos passando com este mal do século.
Combate
Mancini cita estratégias importantes para combater a obesidade como aumentar as taxas de impostos de bebidas açucaradashttps://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2022-07/embalagens-de-alimentos-terao-alerta-sobre-excesso-de-nutrientes. “E colocar avisos nos rótulos dos alimentos de que aquele produto possui altas taxas de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio”. Mas reforça que ainda são necessárias outras ações, como reduzir os preços de alimentos saudáveis e campanhas permanentes nas escolas.

“Tem um dia por ano que se fala de alimentação saudável na escola. Isso não adianta absolutamente nada. Ninguém vai mudar a sua alimentação por escutar uma vez do ano alguma coisa sobre a alimentação saudável. Tem muito a ser feito”, enfatiza.
Ele acrescenta que até mesmo medidas de segurança pública e urbanismo podem incentivar e permitir que a população tenha uma melhor qualidade de vida.
“Até mesmo violência urbana, iluminação urbana [têm impacto] porque as pessoas têm medo de andar na rua. As pessoas poderiam usar menos o carro e usar transporte público, se o transporte público fosse de qualidade”, diz. “Ter parques em todas as regiões da cidade, não só em regiões privilegiadas, ter calçadas adequadas para as pessoas caminharem. Vai muito além de só falar para a pessoa, olha, coma direito e vá se movimentar”.
Hugo Tourinho destaque que 95% dos casos de obesidade estão relacionados a fatores socioambientais e que a grande maioria da população poderia combater este mal com mudanças de hábitos de vida, mas reconhece as dificuldades para alterações na rotina.
“Como a maioria das pessoas estão cada vez mais reféns de suas obrigações laborais diárias, a tal mudança de estilo de vida está cada vez mais distante da realidade da maioria das pessoas. E isto se intensifica em se tratando das mulheres que, em geral, enfrentam a jornada dupla – além do trabalho ainda se responsabilizam pelas duras atividades domésticas, o que lhes tiram totalmente um tempo livre para se cuidarem. Talvez por isso o percentual maior de obesidade entre as mulheres”.
Obesidade infantil
Tourinho alerta que ficar tempo demais nas telas representa risco para as crianças desenvolverem obesidade. Ele explica que no caso de obesidade e sobrepeso infantil, o Brasil teve um avanço de 4 para 14%. “Cabe ressaltar que, uma criança obesa será fatalmente um adulto obeso. Mundialmente, estima-se que mais de 22 milhões de crianças menores de 5 anos sejam obesas ou apresentem sobrepeso, e mais de 17 milhões estejam em países em desenvolvimento”, alerta.
Para o professor não se pode negar que o aumento da obesidade em âmbito mundial está relacionado, de certa forma, aos avanços tecnológicos. “Por mais paradoxal que possa parecer, os mesmos avanços que contribuem para a melhora da qualidade de vida, também podem prejudicá-la, na medida em que, diminui, sobremaneira, as possibilidades de movimento do ser humano, casos que podem ser facilmente visualizados com o uso de controle remotos, elevadores, escadas rolantes e o tempo gasto à frente da televisão e de tela, tanto por parte de adultos quanto de crianças e adolescentes”.
Situação no mundo

De acordo com o Atlas, atualmente, mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo vivem com obesidade. Projeções indicam que esse número pode ultrapassar 1,5 bilhão até́ 2030, caso medidas efetivas não sejam implementadas.
O relatório mostra que dois terços dos países estão despreparados para lidar com o aumento dos níveis de obesidade, com apenas 7% tendo sistemas de saúde adequadamente preparados.
A obesidade está ligada a 1,6 milhão de mortes prematuras anuais por doenças não transmissíveis, superando as fatalidades em acidentes de trânsito. A Federação Mundial da Obesidade calcula um possível aumento de 115% na obesidade entre 2010 e 2030, e pede que a questão seja tratada por “toda a sociedade”, com políticas como rotulagem de alimentos, tributação e promoção da atividade física.
O relatório mostra que os índices brasileiros são melhores que os dos Estados Unidos, por exemplo, com 75% da população com excesso de peso e, dentro desse grupo, 44% das pessoas com obesidade. Mas, na outra ponta, são piores que países como a China, com 41% da população com excesso de peso e, desses, 9% com obesidade.
“Apesar de a alimentação do brasileiro estar piorando ano a ano, cada vez se come menos arroz e feijão e se come mais esses alimentos processados, o Brasil não come tanto ultra processado como os Estados Unidos, por exemplo. É o momento de tentar reverter esse cenário”, defende Mancini.