“Toda mulher tem o direito a viver sem medo” (autoria desconhecida)
Elson de Paula *
[email protected]
Acabamos de passar pelo dia 08 de março, considerado o DIA INTERNACIONAL DA MULHER, hoje celebrado por mais de 100 países, feriado nacional em menos de meia dúzia, e que após sua criação entre 1909 e 1920, permaneceu um tempo em esquecimento, para durante as atividades do Movimento Feminista de 1960, ser relembrado todos os anos até então.
Como avanço, em 1975, o dia 8 de março foi instituído como Dia Internacional das Mulheres, pela ONU (Organização das Nações Unidas), apesar de que hoje, muitos ainda são os direitos que a Mulher tem a conquistar.
É claro que essa é uma luta constante, principalmente quando tratamos de um país tão machista, misógino, preconceituoso e fundamentalista quanto o Brasil, e se para toda a Mulher que vive aqui é difícil vencer barreiras como essas, imaginem para a Mulher em Situação de Rua.
Em recentes apontamentos do Observatório Brasileiro da População em Situação de Rua da Universidade Federal de Minas Gerais (OBPopRua/UFMG) segundo os dados atuais do CadÚnico do Governo Federal, o tamanho dessa população em todo o Brasil está hoje em torno de 332 mil pessoas, e destas, em torno de 54 mil são mulheres (considerando também neste número, mulheres trans, lésbicas…).
Quem atua na luta da defesa da População em Situação de Rua, tem muito cuidado em adotar estes números como reais de fato, pois o ideal é termos realizado no país, um Censo Demográfico da População em Situação de Rua feito pelo IBGE, com metodologia adequada, mas enquanto isso não acontece, ficamos com essa informação mesmo.
Se a presença da Mulher em Situação de Rua no Brasil é grande, em Ribeirão Preto não é diferente, fato é que existe na cidade uma Casa de Passagem para acolher Mulheres em Situação de Rua, com 40 vagas, e que sempre está lotada, e muitas vezes com demanda reprimida aguardando acolhimento.
Em primeiro lugar, foi escolha dessas mulheres viver em Situação de Calçada?
Não, nunca foi!
Uma Mulher só se encontra em Situação de Rua porque em determinado momento da sua vida ocorreu-lhe uma ou mais ausências, seja da família, seja da sociedade, seja do Estado, neste último, as ausências estão entre falta de Educação, Moradia, Trabalho, Saúde, Segurança e Justiça.
Em conversa com muitas destas mulheres que habitam ou habitaram uma calçada em nossa cidade, pude constatar que na maioria das vezes elas sofreram violência e violações de direitos do companheiro, da família, da sociedade e do Estado, e sem nenhuma opção melhor para se agarrar, foram viver nas ruas.
Algumas, tornaram-se dependentes do uso de álcool ou drogas ilícitas para suportar a dor do abandono, da distância de filhos e da família, da injustiça, da fome, do frio… outras um pouco mais resistentes, com o tempo e o sofrimento vivido, cederam à algum transtorno mental; outras, diante da falta de cuidados em higiene pessoal, falta de condições de manter sua dignidade menstrual, de violência sexual, passaram a ter problemas graves de saúde.
Pensemos, se para um Homem em Situação de Rua, viver na calçada já é duro e triste, para a Mulher que diante da sociedade ainda tem menos direitos, essa vida é cruel demais.
Os relatos de abuso sexual inclusive, são constantes entre elas, muitas admitem que já foram estrupadas, e não apenas por companheiros da Situação de Rua, mas também por munícipes, “cidadãos do bem”, e até por policiais; algumas admitem escolher um companheiro permanente, mesmo que não gostem dele, para que se sintam “protegidas”. Outras já relataram vestir duas calças ao dormir, para dar tempo de evitarem um abuso quando são acordadas violentamente no meio da noite.
Algumas delas têm seus filhos confiscados de sua guarda, e acabam perdendo-os para sempre, para a adoção por outras famílias, sem o direito da defesa justa e do apoio do Estado para manter sua prole sob seus cuidados.
Enfim, há muito o que dizer sobre o que sofre uma Mulher em Situação de Rua nos dias de hoje, mas o pior de tudo é perceber que ninguém liga para isso, ninguém se incomoda com essa triste realidade, e assim os dias passam!
Pensemos nisso!
* Jornalista, representante do Movimento Nacional de Luta em Defesa da População em Situação de Rua e cofundador e coordenador do Fórum de Defesa da População em Situação de Rua de Ribeirão Preto (Pop Rua RP)