Por Adalberto Luque
No dia 20 de fevereiro, a Polícia Civil realizou uma operação na cidade de Brodowski, Região Metropolitana de Ribeirão Preto. A ação foi coordenada pelo Setor de Inteligência da Delegacia Seccional de Ribeirão Preto.
Segundo o delegado Gustavo André Alves, que coordenou a operação, um vasto material foi apreendido. O que os policiais encontraram chega a ser surpreendente. Os criminosos montaram uma “Central do Golpe”, onde procuravam lesar as pessoas através de aplicativos de mensagens ou pela internet.
Golpes como a falsa central de atendimento bancário, falsa ligação de banco, falso SMS, falso perfil de WhatsApp, clonagem de dados para compras fraudulentas, fraudes envolvendo compras em plataformas de e-commerce, entre muitas outras modalidades.
Faturando entre R$ 50 mil e R$ 200 mil por semana com os golpes, os criminosos utilizavam a Inteligência Artificial (IA). Os policiais encontraram na “Central do Golpe” e nas casas de quatro dos investigados – três delas em condomínios de médio e alto padrão – textos de IA que simulava atendimento bancário e gravava ligações dos bancos.
Nó górdio
Enquanto a sociedade se prepara para o que virá pela frente com a IA, os criminosos já se beneficiam da tecnologia lesando pessoas e praticando golpes. Para combater esse tipo de ação será preciso desatar o nó górdio que foi dado em torno do que é verdade ou mito em relação à nova forma de tecnologia.
A IA é um conjunto de tecnologias que permitem aos computadores executar uma variedade de funções avançadas, incluindo a capacidade de ver, entender e traduzir idiomas falados e escritos, analisar dados, fazer recomendações e muito mais.
Mas por se tratar de algo relativamente novo, um grande debate em torno do assunto tem sido travado, trazendo à luz prós e contras.
Uma recente pesquisa feita pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em conjunto com o Banco Mundial, traz dados preocupantes. Sob o título de “A IA Generativa e os empregos na América Latina e no Caribe: a brecha digital é um amortecedor ou um gargalo?”, a pesquisa aponta que as relações de trabalho devem mudar em pouco tempo e, no Brasil, 37% dos trabalhadores podem sofrer por haver adaptações e até extinção de postos de trabalho. Esse percentual representa algo em torno de 37 milhões de trabalhadores que podem ser afetados – ainda assim, abaixo da média global, que é 43%.
Pelo levantamento da OIT e do Banco Mundial, mulheres, trabalhadores urbanos, jovens e qualificados em setores formais serão os mais ameaçados. O que pode aumentar ainda mais as desigualdades sociais e econômicas e levar ainda mais trabalhadores para a informalidade.
De acordo com o Portal Zendesk, algumas funções e tarefas podem ser totalmente automatizadas, o que levaria à inevitável perda de empregos em algumas áreas. Com a IA, aumentaria a eficiência e produtividade.
Um estudo da McKinsey Global Institute estima que, até 2030, a IA pode afetar cerca de 800 milhões de trabalhadores em todo o mundo e muitos precisariam adquirir novas habilidades para permanecerem empregados.
Por outro lado, o Portal Zendesk destaca que isso também está criando novas profissões, como cientista de dados, engenheiro de aprendizado de máquina, especialista em IA para negócios, entre outras. Essas profissões exigem habilidades técnicas avançadas e estão em alta. Estimativas apontam que o Brasil fechará 2025 com mais de meio milhão de vagas para profissionais de TI. Portanto, com qualificação, emprego não irá faltar.
Mercado promissor

Professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP USP), especialista em Ciências da Computação, Evandro Eduardo Seron Ruiz é categórico ao afirmar que a Inteligência Artificial é um mercado em crescimento.
“Como docente de um curso de Bacharelado em Ciência da Computação e atuando na área há muitos anos, sou categórico na afirmação que o campo da Inteligência Artificial (IA) é considerado um mercado muito promissor, especialmente quando consideramos a alta demanda por profissionais especializados diretamente ligados às ciências exatas, tais como: profissionais de computação, engenheiros, analistas e cientistas de dados, programadores de computadores, estatísticos e matemáticos.”
Ele admite que a IA pode automatizar certas tarefas e, potencialmente, extinguir alguns postos de trabalho. “No entanto, a IA também está criando novas oportunidades principalmente em áreas de interseção entre IA e outras disciplinas, como ética em IA, Direito relacionado à tecnologia, política de dados e gerenciamento de projetos de IA”, diz, acrescentando que estas novas atuações abrem espaço para profissionais de diferentes origens, não apenas em tecnologia.
“Não devemos nos esquecer que a IA está sendo aplicada em quase todos os setores produtivos, incluindo saúde, finanças, varejo, transporte e segurança, gerando um potencial de aumento destes negócios e, eventualmente, a demanda de mais postos de trabalho nas atividades mais tradicionais. Ou seja, eu acredito que a IA tem o potencial de alavancar a economia do país como um todo”, observa.
Aluguel de linhas telefônicas
O professor da USP RP observa, baseado nas tecnologias atuais, que as mesmas já foram tecnologias disruptivas.
“Vamos tomar como exemplo, duas destas tecnologias: a telefonia e a fotografia. Eu me lembro bem da época em que cidades como a nossa, Ribeirão Preto, ter uma linha telefônica em casa era uma conquista cara, ou seja, demandava muito dinheiro. Muitas pessoas pagavam aluguel de linhas telefônicas. O mesmo valeu para as câmeras fotográficas. Não eram todas as famílias que tinham uma. Hoje quase todas as pessoas carregam nos seus bolsos ou bolsas uma linha telefônica e uma câmera fotográfica e ambas de excelente qualidade”, analisa Ruiz.
Em relação a golpes praticados por criminosos que se valem da IA para lesar vítimas, Evandro entende que mesmo nas tecnologias hoje incorporadas ao cotidiano das pessoas, ainda continuam aplicando golpes que, muitas vezes, são repelidos pelas mesmas tecnologias.
“Por exemplo, aquele golpe que os criminosos usavam para aterrorizar e pedir resgate para um parente que estaria supostamente sequestrado poderia ser resolvido ligando para o determinado parente ou pedindo para que os criminosos enviassem uma foto. Assim eu percebo que os criminosos sempre poderão se apropriar das novas tecnologias para criarem os mais variados tipos de crimes e, em resposta, caberá a polícia e a sociedade descobrir novas maneiras de mitigar estes novos tipos de crimes. Lamento, mas é uma triste constatação esta que o crime sempre será possível, não importa a tecnologia usada no momento”, aduz.
“Invernos da IA”
Apesar de parecer novidade, a IA surgiu no pós Segunda Guerra Mundial, nos anos 1950, quando foram feitos os primeiros experimentos na área, com os cientistas Herbert Simon e Allen Newell. Eles criaram o primeiro laboratório de Inteligência Artificial na Universidade de Carnegie Mellon, nos Estados Unidos.
De acordo com Ruiz, no passado da Computação houve dois grandes períodos de desaceleração e pouco interesse nas pesquisas, os chamados “invernos de IA”.
“São épocas que após grandes momentos de expectativa por grandes contribuições da IA houve também um desinteresse em financiamentos e investimentos na área. Estes ‘invernos da IA’ foram períodos que ocorreram após expectativas não atendidas ou promessas exageradas em relação ao desempenho e potencial da IA.”
Com a desaceleração no avanço da pesquisa e desenvolvimento em IA, houve desinteresse em investimentos e financiamentos na área. Ruiz lista duas causas como as principais desse período de frustração com a IA: limitações técnicas e falta de dados e poder computacional.
“As técnicas de IA disponíveis, como algoritmos de aprendizado de máquina, eram inadequadas para resolver problemas complexos, limitando sua aplicação prática. A falta de grandes conjuntos de dados e a necessidade de maior capacidade de computação também contribuíram para as limitações da IA durante esses períodos”, argumenta.
Caminho sem volta
O especialista em Ciências da Computação lembra que a IA está se tornando parte integral de diversas tecnologias e sistemas usados diariamente. Está presente em quase todas as aplicações e áreas de interesse, como saúde, finanças, transporte e manufatura.
“Nos aplicativos que usamos ela está presente desde assistentes virtuais até algoritmos de recomendação de streamings de filmes e música. A forte presença e influência da IA hoje sugere que ela continuará a crescer, ou seja, acredito que veio para ficar e que estamos apenas no início de uma grande era dominada pela IA”, conclui Ruiz.