Taís Roxo da Fonseca *
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Tempos atrás parei de usar o despertador e passei a acordar com o som dos pássaros que pousam em bando na rede elétrica próxima a janela onde durmo. O bando de pássaros cumpre seu horário de chegada com o rigor cartesiano que só altera quando muda a estação do ano, mas durante o verão ribeirão-pretano, como agora , bate ponto às 5:20 da madrugada.
Os passarinheiros ensinam que as aves voam em coletivo porque sabem que diminuem o atrito individual com o ar e assim poupam energia e ganham mais velocidade, o que já inspirou o artista brasileiro chamado Jarbas Agnelli, que ao ver uma fotografia dos pássaros pousados na rede elétrica, percebeu a enorme semelhança da imagem com uma partitura musical, o compasso com as linhas e espaços eram a rede elétrica e os pássaros as notas musicais , compondo assim uma música premiadíssima Birds on the Wires.
No lugar de cada pássaro pousado na rede de eletricidade, o compositor substituiu por uma nota musical, 4 pássaros juntos colocou uma semibreve, um pássaro sozinho substituiu por uma semínima, um casal de pássaros trocou por uma mínima e assim por diante, sempre respeitando as pausas onde no desenho da foto não havia nenhuma ave.
Tal como os pássaros voam em bando para ganharem mais energia e velocidade, as notas musicais também não significariam quase nada caso não fossem executadas em conjunto. Ode à Alegria de Beethoven com seus 4 movimentos transformou-se na sinfonia de união dos povos europeus. Infelizmente, aqui no Brasil, o sistema que efetivamente comanda a nação, que estou convicta que já não é mais o presidencialismo, empurrou a juventude brasileira ao voo cego.
Nas cenas atuais o trabalho dos jovens de parcas finanças, é demandado pelas telas dos smartphones por aplicativos de entregas como Rappi, Uber, ifood, que arregimentam mão de obra barata pela promessa do “seja você seu próprio chefe” , fragilizando todos, sem exceção os direitos trabalhistas.
Esses jovens cumprem uma jornada exaustiva debaixo de sol e chuva, chegando a rodar 100 km por dia e ainda recebem a ordem do aplicativo patrão que determina o tempo máximo de alguns poucos minutos para finalizarem a entrega, obrigando- os a aumentar a velocidade porque se o tempo de entrega for excedido aplicam multas com descontos do pequeno percentual que recebem à cada entrega.
Já se tornou habitual cruzarmos uma esquina e assistirmos o voo de galinha de um jovem tombado sem vida no asfalto quente e ao seu lado a mochila da entrega. No ano 2024 , durante 10 meses , Ribeirão Preto contou 50 mortes de motoqueiros jovens no trabalho. Se os pássaros voando em bando são mais felizes, nós humanos conscientes poderíamos tentar fazer o mesmo enquanto ainda há tempo.
* Advogada