Tribuna Ribeirão
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“Deixe que os mortos sepultem seus mortos”   

José Eugenio Kaça *
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O ser humano é o único animal que elimina ou trabalha para eliminar outros seres humanos. A criação da pirâmide social foi espelhada no modelo de castas, que é um modelo que define os seres humanos a partir de sua origem. O caput do artigo 5º da Constituição cidadã diz: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza…”, mas a interpretação deste caput ganhou outra dimensão, pois a figura dos mais iguais prevaleceu em detrimento dos iguais. O vale alimentação de R$ 10.000,00, que ficou conhecido como “vale-peru”, que  desembargadores e funcionários do Tribunal de Justiça de Mato Grosso receberam no mês de dezembro de 2024, mostrou a prevalência dos mais iguais, que usufruem da máquina pública ao seu bel prazer.

Um escândalo dessa magnitude não podia passar em branco – houve reação, e a demanda foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que pediu explicações ao TJ-MT, e a resposta do presidente do Tribunal, Desembargador José Zuquim Nogueira foi fenomenal. O nobre desembargador usando de sofisma e muita habilidade na linguagem jurídica rebuscada respondeu ao STF com esta pérola: “Tal benefício não deve se limitar a um mero caráter formal, mas sim assegurar a cobertura das necessidades nutricionais diárias da pessoa humana, com dignidade, equilíbrio em conformidade com as boas práticas alimentares. E cita a Constituição e o salário mínimo como garantia das necessidades vitais do trabalhador”. Estes nobres senhores operadores das leis estão vivendo em Marte.

Realmente o salário mínimo abarcado pela Constituição no seu artigo 7º inciso IV, estabelece que o salário mínimo seja capaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, muito bonito no papel, mas apenas para inglês ver. O que esperar de um judiciário que só enxerga o próprio umbigo, que vive encastelado com os maiores salários do serviço público, com benécias que beiram ao absurdo, e quando cometem crimes, a pena máxima é ser aposentado compulsoriamente, e receber seus robustos salários pelo resto da vida. Enquanto isso o trabalhador que ganha o salário mínimo vive na miséria, pois a garantia constitucional, que estabelece o mínimo de dignidade para a pessoa humana é de R$ 1518,00, e eu não vejo ninguém das instâncias do judiciário exigir que a lei seja cumprida – parafraseando Renato Russo: “Que país é esse?”.

Essa política de Estado foi estabelecida para excluir o pobre da divisão do bolo das riquezas, riqueza gerada que ele mesmo, no entanto, não pode usufruir. O horizonte que se avizinha continua com nuvens carregadas, e aquele horizonte bonito do nascer e do por do sol em dias de verão exaltado pelos poetas, não é vislumbrado pelo olhar do trabalhador que ganha o salário mínimo. Uma Nação para ser chamada de Nação tem que ter como livro sagrado a sua Constituição, entretanto no Brasil, isso é deixado de lado. As cláusulas pétreas da nossa Carta Magna, não são cumpridas, e o velho chavão se materializa: “no Brasil tem lei que pega e lei que não pega”, e por uma coincidência histórica, as leis que beneficiam a classe trabalhadora pobre – são as que não pegam.

O desembargador tem razão quando fala do salário mínimo, que este deve assegurar a cobertura das necessidades diárias da pessoa humana, mas sim assegurar a cobertura das necessidades nutricionais diárias da pessoa humana, com dignidade, equilíbrio em conformidade com as boas práticas alimentares, e cita a Constituição e o salário mínimo como garantia das necessidades básicas do trabalhador e sua família. Acontece que o salário mínimo constitucional é uma peça de ficção, pois com R$ 1518,00 não se cumpre a lei. “Deixe que os mortos sepultem os seus mortos”, essa passagem bíblica mostra que os pobres têm que tomar as rédeas de suas vidas, pois são os pobres que produzem todas as riquezas do País, e, portanto, tem o direito de usufruir do seu trabalho.

* Pedagogo, líder comunitário e ex-conselheiro da Educação 

 

 

 

 

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