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Máquins “loquens”, máquinas “sapiens” 

Conceição Lima *

Hoje em dia já não se consegue mais viver sem a Inteligência Artificial (IA).Discreta ou abertamente, ela já se inseriu em nosso cotidiano, de onde será praticamente impossível escorraçá-la. Pouca gente, entretanto, consegue entender qual foi o ponto crucial de virada das máquinas, o momento “mágico” em que a IA veio a assumir o seu status atual. Não por acaso, o grande diferencial deu-se exatamente na tecnologia que lhes permitiu a AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM NATURAL HUMANA.

É isso aí! Com os humanos aconteceu exatamente o mesmo. Eles não surgiram no planeta com o “dom da fala”. Aliás, nem possuíam o aparato fisiológico para tanto. A linguagem verbal humana é realizada através de órgãos que foram, primitivamente, destinados a ouvir, respirar e a comer, ou seja, os ouvidos, o nariz, a boca e seus conexos. Todavia, sem a linguagem verbal, isto é, a fala, nada iria acontecer! Nenhum progresso, nenhuma socialização que prestasse! Eu, como Linguista de formação e profissão, não tenho a menor dúvida… Antes de ser “sapiens” (racional), o homem teve de ser “loquens” (falante). Eis que, desde sempre, o domínio da linguagem é indispensável à evolução humana. Sem ele, não existe a possibilidade de desenvolver a cognição. Tomara que todos percebem isso e deem o devido valor ao ensino-aprendizagem da língua!

Mas… estamos falando agora é das máquinas. E a IA está realmente a dever todo o seu avanço ao chamado NPL, ou “Natural Language Processing” (como sempre, em Inglês), ou seja, os sistemas LLM (Large Language Models), essa imensidão de dados da Internet usada para treinar a “inteligência” das máquinas, exatamente para possibilitar a compreensão e a geração de textos. É assim que o ChatGPT e os seus pares conseguem responder perguntas e realizar tarefas.

A estratégia ficou conhecida como TRANSFORMER. Na base dessa arquitetura, foi inserido um mecanismo de ATENÇÃO (“Attention Is All You Need”, segundo o Google), que faz com que a máquina “preste atenção” e observe os padrões e relações de sequência em textos. Com o tempo, a ideia do Transformer foi sendo expandida para imagens, vídeos e sons. Porém, a base dessa arquitetura continua sendo exatamente a palavra.

Assim, é o princípio da atenção(Attention) do Trasnformerque tem ensinado às máquinas como focar nas partes mais relevantes dos textos, pegando apenas as palavras mais importantes de uma frase, os denominados vetores. Então, entram as redes neurais artificiais do Tranformer, cujo encoder processa a entrada desses vetores para criar representações internas na rede digital e cujo decoder usa essas representações para gerar a resposta ao usuário. Foi assim que se avançou significativamente no desenvolvimento da IA: sua capacidade de aprender com relativamente poucos exemplos, ou seja, sua habilidade de generalizar, de resolver problemas complexos com pouca orientação.

Pensando bem, isto não é nada diferente do que acontece no cérebro humano. A nossa capacidade cognitiva para processar informações, resolver problemas e tomar decisões depende essencialmente do processamento das mensagens, da atenção e da percepção que damos à essência de seu conteúdo e, por consequência, da generalização que dele fazemos para aprender com poucos exemplos, o que nada mais é do que o próprio raciocínio.

Aliás, os professores (não só os de linguagem) deviam prestar bastante atenção nisso! É assim que se aprende, prestando atenção apenas no essencial de qualquer informação, vetorizando (digerindo e armazenando) o essencial para usá-lo quando necessário. A isto é que se chama de capacidade cognitivados humanos para processar informações, resolver problemas e tomar decisões. O treinamento da atenção, da percepção e, por extensão, o do raciocínio através da linguagem é que nos leva à aprendizagem, adaptação e desempenho em diversas situações do dia a dia.

Simples assim! Sem um ensino de língua bem processado, nada feito! Os inventores de máquinas “sapiens” já conseguiram… Por que a escola não iria conseguir?

* Professora de ensino superior aposentada, escritora e palestrante, é membro eleito da Academia Ribeirãopretana de Letras e fundadora da Academia Feminina Sul-Mineira de Letras 

 

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