Edwaldo Arantes *
[email protected]
De todos os cargos na Prefeitura Municipal, a Presidência do Instituto do Livro foi sem dúvida a mais inesquecível, um convívio apaixonado entre literatura, escritores, salas de leitura e o maravilhoso mundo do livro.
Muitos momentos onde as histórias ficaram gravadas, geniais e memoráveis, pasmem, outras inacreditáveis, meu coração palpita batendo descompassado a cada lembrança.
Recentemente recebi mensagem do querido e eterno amigo, brilhante intelectual, talentoso romancista, emérito professor, Deonísio da Silva, autor de vasta obra, como, “De onde vêm as palavras”.
Um vocábulo breve e triste comunicando o falecimento da nossa amiga Marina Colasanti, abalado lembrei-me da nossa amizade, conheci-a no Rio de Janeiro juntamente com o marido, o poeta e ensaísta, Affonso Romano de Sant’Anna.
Tento reviver e relatar um acontecimento lírico, entretanto inusitado.
Éramos parceiros de uma instituição em um projeto de autoria do consagrado escritor Menalton Braff convidando destacados escritores em conversas sábias e cativantes, quem perdeu nunca mais terá, quem participou jamais esquecerá.
Em uma dessas jornadas a honrosa presença do talentoso casal, fomos ao aeroporto recepcioná-los em uma linda manhã azul, entre abraços e mesuras rumamos ao hotel, o charmoso, Holiday Inn.
O trajeto foi coroado de envolventes e agradáveis conversas, também “causos”, Affonso é mineiro de Belo Horizonte.
Enquanto o casal saboreava um cafezinho dirigi-me à recepção, o atendente solícito iniciou o check-in pesquisando, procurando e sem graça chamou a gerência avisando não existir reservas.
Comecei a transpirar frio, ficamos sabendo que o funcionário da associação parceira não havia providenciado, esqueceu-se.
A gerente, uma bela jovem daquelas capazes de fazer com que todos os perdões sejam concedidos, infelizmente não ajudou naquele momento dramático chocando-nos ainda mais, não havia nenhuma vaga disponível, o contrato da entidade era somente com aquele estabelecimento.
Diante do constrangimento geral liguei a um amigo que aqui faço questão de nomear e agradecer, José Roberto Pereira Alvim, empresário e proprietário do suntuoso Hotel Araucária.
Atendeu-me imediatamente, apavorado narrei o acontecimento.
– Edwaldo, Ribeirão Preto não vai passar constrangimento, uma honra tê-los em nossas dependências.
A tensão foi aumentando, o hotel estava fora dos custos autorizados pelo poder público em virtude de sua categoria luxuosa, principalmente as suítes que destinamos aos convidados.
Minha preocupação apenas aumentava com o custo das diárias e não conseguia vislumbrar como arcar com os valores, principalmente com o restaurante internacional.
O trajeto até o hotel foi o mais longo da minha existência, contando o voo Guarulhos/Adolfo Suárez, Barradas, Madri, segui silencioso e taciturno, circunspecto como em um velório, todavia disfarçando, demonstrando apenas contida felicidade.
O encontro foi um sucesso, aplausos efusivos de dez minutos em pé diante do brilho e imenso talento dos dois, ao retornarmos estava calmo como um remanso.
Foi o jantar e a noite mais iluminada que vivi, em um passe de mágica esqueci valores e a total impossibilidade em solvê-los.
Entre palavras e vinhos, Affonso com gentileza e garbo peculiares confessou-me apreciar meus textos destacando um dirigido aos “moradores de rua”, abandonados e jogados à própria sorte nas selvas de pedra de um capitalismo selvagem.
Convidou-me a escrever um livro a quatro mãos, aturdido e perplexo, apenas balbuciei um sim acanhado.
Confesso que acreditei estar sonhando, depois de muitas taças na companhia de um “filet au poivre”, nos abraçamos com um efusivo boa noite.
Dirigi-me à recepção sacando meu talonário de cheques absolutamente desprovido de receitas, tendo a certeza que retornaria com aquele embaraçoso carimbo, “sem fundos”.
Com um olhar discreto, a linda recepcionista com um leve sorriso quase imperceptível, em voz suave, informou: cortesia da casa, inclusive a estada.
Infelizmente a vida cruzou outros caminhos, o livro não ocorreu, ficando a saudade deles.
Querida e inesquecível Marina Colasanti, romancista, contista e artista plástica, pois é:
“Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia”.
* Agente cultural