Por: Adalberto Luque
O advogado Clair Pinheiro estava iniciando sua carreira profissional quando, em dezembro de 1994, decidiu realizar um grande sonho dele e da esposa Dirce: comprar o primeiro imóvel próprio. Tinha escritório na Rua Campos Salles, Centro de Ribeirão Preto, de onde viu surgirem vários empreendimentos nas imediações.
A responsável pela maioria dos prédios de alto padrão que estavam sendo erguidos naquela região era a Encol, gigante no mercado. Decidiu que era com essa construtora que iriam investir na realização naquele que é uma instituição nacional: o sonho da casa própria.
No caso do advogado, optou por ser um apartamento próprio. Foi até o estande da Encol e conheceu o empreendimento Portal dos Pássaros. Um grande projeto, com completa infraestrutura de lazer, prometendo segurança e qualidade de vida a seus moradores, perfeito para morar o casal viver com os dois filhos.
Eram apartamentos de 3 e 4 dormitórios, área privativa de 138 m² e 161 m², respectivamente.
O empreendimento previa construção de sete torres e duas já estavam sendo edificadas quando Pinheiro assinou o contrato no dia 8 de dezembro de 1994.
“Paguei todas as parcelas no ano de 1995. No meio do ano, havia feito um trabalho para um cliente de São Joaquim da Barra. Pedi que ele pagasse só no final do ano. Era cerca de R$ 8 mil em moeda da época. Ele me pagou e passei todo o dinheiro para a Encol. Já tinha desembolsado cerca de R$ 13 mil. Logo no início de 1995, vieram os rumores de que a empresa estaria quebrando e a obra parou”, lamenta. De acordo com a Calculadora do Cidadão no site do Banco Central do Brasil, em novembro deste ano o valor atualizado seria R$ 125,5 mil.
O sonho do advogado foi adiado – e não foi realizado com a Encol. O dinheiro investido não foi recuperado. “Exceto uma parte. Muito tempo depois uma associação de mutuários me procurou e me repassou R$ 2 mil, sem correção monetária. Foi o que consegui reaver. Tempos depois, li a notícia de que o dono da Encol estava casando uma filha e havia fretado vários aviões apenas para levar musgos para enfeitar a festa.”
A ruína da gigante
A Encol foi fundada em 1961, na cidade de Goiânia. Responsável pela construção de mais de 100 mil apartamentos em todo o País, era considerada uma das maiores da América Latina.
Dirigida pelo empresário Pedro Paulo de Souza, começou a ter sérios problemas financeiros que vieram a público no final de 1995. De 1996, quando a maioria das obras foi paralisada (deixando funcionários, colaboradores e credores sem receber, além de investidores e mutuários sem reaver o que investiram) até sua falência, sacramentada em 1999, a Encol deixou 710 obras inacabadas.
Foram 23 mil desempregados, pelo menos 42 mil clientes sem imóveis e abalando o setor imobiliário. Essa ruptura no sistema imobiliário levou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Bancos a investigar o caso da Encol.
O Banco do Brasil foi questionado por liberar empréstimos, mesmo diante dos notórios problemas enfrentados pela Encol. Com a falência da empresa, criou-se uma massa falida e nomearam-se, ao longo dos anos, síndicos para administrar essa questão, buscando saldar compromissos financeiros com funcionários, fornecedores e mutuários.
Mudanças
Com o ‘tsunami’ provocado pela Encol no setor de construção civil, várias mudanças foram implementadas. A principal delas foi a sanção da Lei do Patrimônio de Afetação (Lei 10.931/04). Essa lei foi elaborada em decorrência dos casos de falência como os da Encol.
“Até esta data, não havia a possibilidade de se blindar ou de se destinar cada empreendimento para pagar as dívidas de seus fornecedores. Dessa forma, os credores tinham à sua disposição todo o acervo patrimonial da construtora para buscar a satisfação do seu crédito. Com a Lei do P.A., isso mudou completamente”, explica o advogado especializado em direito condominial e imobiliário, Márcio Spimpolo.
A partir da nova lei, as incorporadoras podem separar cada empreendimento dos demais, fazendo a contabilidade individualmente, obtendo incentivos fiscais.
“Porém, há uma advertência para todos os compradores: antes de adquirir um imóvel na planta, a principal pergunta é: a incorporadora instituiu o Patrimônio de Afetação nesse empreendimento? Se a resposta for sim, isso deve constar da proposta e/ou contrato de compra. Caso não conste, não compre. O risco de problemas é muito grande”, ensina Spimpolo.
Pagou dois e levou um
Sidnei Roberto Galloro decidiu investir em um apartamento da Encol na cidade de Sertãozinho, vizinha a Ribeirão Preto. Era um apartamento de alto padrão. Acabou quitando o parcelamento logo no início, para obter uma condição mais lucrativa.
Para levantar capital, todavia, optou por vender o apartamento onde morava e foi morar de aluguel exatamente em frente onde seu apartamento estava sendo erguido. “Por um ano e meio vi da sacada do apartamento onde morava a obra seguindo, até parar por completo”.
Diferentemente de Pinheiro, o investidor de Sertãozinho teve sorte. O dono do terreno havia feito um contrato com a Encol, onde estabeleceu duas cláusulas: se a torre não fosse feita no prazo ou se por qualquer outro motivo a obra parasse, o imóvel voltaria para o dono do terreno. E foi o que aconteceu.
“A sorte que tivemos é que o dono, por sinal o prefeito eleito da cidade, Zezinho Gimenez, foi corretíssimo. Ele chamou todos os investidores para uma reunião e, menos de seis meses da falência da Encol, tudo estava resolvido”, lembra.
A obra parou no nono pavimento, de um total de 18. Foi preciso que todos se cotizassem para concluir a construção. “Paguei dois e levei um”, brinca Galloro. Em valores à época, ele havia pago R$ 75 mil. Fez aporte de mais R$ 75 mil para concluir seu apartamento. Quando a obra foi concluída, ainda assim, valeu a pena. Os imóveis foram avaliados, à época, em R$ 200 mil. “Hoje, após várias benfeitorias, vale R$ 800 mil”, conclui.
Em Ribeirão Preto, a informação é que foram 30 prédios inacabados da construtora, no final da década de 90, e em seis destes, os compradores conseguiram retomar as obras por conta própria.
Especialista avalia a questão
Márcio Spimpolo acredita que a principal lição aprendida no caso da Encol é o cuidado ao adquirir imóveis na planta. “Existe um termo para isso que é a due dilligence. Todo comprador deve se certificar de que a incorporadora/construtora reúna todas as certidões negativas necessárias para começar a vender um empreendimento, e, principalmente, esteja autorizada legalmente a fazer isso”, avalia.
Ele acredita que será bastante difícil recuperar valores que foram investidos nas obras da Encol. “Há uma série de fatores envolvidos, como a posição dos compradores na fila de credores, e valores suficientes para isso. Quanto mais o tempo passa, mais difícil fica a situação para aqueles que investiram nos produtos Encol”, aduz Spimpolo.
Quanto aos mutuários que conseguiram terminar a obra, o especialista explica que isso só foi possível porque o banco financiador da obra ou mesmo a construtora, já tinha o terreno livre de ônus ou com pouca dívida.
Para estabelecer um condomínio, além de ter um CNPJ ativo, isso só se consegue após a primeira assembleia, com a ata de eleição do síndico. “[No caso da Encol] isso só foi possível depois de regularização das dívidas, principalmente com o INSS. Vencida a etapa das dívidas, o habite-se, após as vistorias de praxe dos bombeiros, era consequência e o condomínio era formado”, conclui.
Passados 25 anos, Spimpolo acredita ser quase impossível retomar as obras nos esqueletos que ainda restaram. Seja em razão da condenação das estruturas, sendo em razão da burocracia que envolve cada imóvel. “Muitos podem ter a ver com inventário e partilha dos proprietários do terreno.”
Pagamento lento e dono preso
O fundador da Encol, Pedro Paulo de Souza, chegou a ser preso em abril de 2010. Um dia depois conseguiu habeas corpus. Desde então, desapareceu do radar da imprensa. Chegou a ser condenado a quatro anos e dois meses de prisão. Todavia, o processo só foi concluído em 2010, quando já estava prescrito.
Uma verdadeira batalha jurídica foi travada ao longo dos anos. Os recursos informados pela massa falida são insuficientes para pagar todos os trabalhadores. Após idas e vindas na Justiça, ficou estabelecido que os pagamentos serão pagos em duas etapas, com teto até R$ 25 mil. Valores superiores ficariam para a segunda etapa, com saldo remanescente.
Pelo menos 15% dos ex-funcionários da Encol já faleceram, segundo dados de entidades representativas. Iniciando os pagamentos em janeiro de 2023, a massa falida pode levar anos, talvez décadas, para concluir os processos de indenizações trabalhistas. Para aqueles que investiram no sonho da casa própria, no entanto, as esperanças de serem ressarcidos são praticamente nulas.