Tribuna Ribeirão
Artigos

Proletários, poetas e escritores

Edwaldo Arantes * 
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Recebi diversas mensagens sobre um artigo para o “Tribuna Ribeirão”, feliz, aproveito para agradecer todas, uma em especial, causando-me reflexões.  
 
A frase sobre a pepita da minha existência apenas imaginava o garimpeiro a trabalhar, sonhando o dourado metal brilhar no fundo da bateia e a realidade das minhas dúvidas. 
 
Seu destino é balançar a peneira, o cascalho, a água, esperando surgir a tão dourada busca, o meu, deslizar a pena. 
 
Ele permanece distante e ignaro sobre os nossos questionamentos ou a vã filosofia, se sofremos pelas ideologias, os medos, perdas ou os amores fugazes e fugidios, desaparecendo deixando saudades.  
 
Sua existência é apenas o sonho de uma pedra brilhando ao sol, a ânsia que o  vil metal o leve ao sucesso e a glória, mulheres, bebidas, baralhos, cordões de ouro e todas as ações nefastas que infestavam o genocida garimpo de Serra Pelada, fábrica de famigerados. 
 
A razão de estar ali coberto de lama até os ossos, agachado, miserável e só, a explorar o sonho, quase sempre transformado em pesadelo. 
 
Nada mais importa apenas o olhar fixo como quem permanece horas e horas em uma imensa fila que nunca chega ao fim em uma lotérica qualquer, garimpando números ilusórios esperando ser rico. 
 
O pedreiro que molda a argamassa, areia, pedra, cimento, tijolo, alicerce, alvenaria, até surgir o edifício luxuoso, jamais será sua morada. 
 
O pintor buscando o melhor brilho, a tinta inatingível, amarela, lilás, verde, azul, reluzentes como o sol ou escuras como as noites sem luar.  
 
O jardineiro e suas companhias, tesouras, ancinhos, plantas, enxertos, canteiros, rosas e orvalhos. 
 
A praça vazia, touceiras e o badalar dos sinos anunciando o “Ângelus”, o silêncio coberto de incertezas.

Paulo Freire decifrava o mundo dos analfabetos cobertos pelas vendas da ignorância, capuzes da escuridão, privados do conhecimento, presas fáceis da opulência dos poderosos que o querem tão somente como mão de obra barata ou voto na urna.

Que importância pode ter o que está completamente distante e desconhecido na sua existência.

Palavras devem representar o que existe ao redor da sua vida, ofício e a relação com seu mundo.

O gênio do educador conseguiu adequar o vocábulo ao objeto, desnudando o seu universo, o aprendizado, a luta para conseguir a liberdade de existir.

O professor levou a luz da leitura a trezentos adultos analfabetos em apenas quarenta e cinco dias em Angicos, sertão do Rio Grande do Norte, 1963.

O resumo de todos que lutam pelo trabalho, ao crepúsculo recolher as ferramentas, o dia findado árduo sobre o sol abrasador, a chuva fria ou o vento impertinente fazendo rolar o chapéu.

O transporte lotado, o lar distante, palco de uma periferia abandonada.

Adentrar o boteco familiar, tomar um trago, não um Chivas Regal ou Buchanan’s, sorvidos pela fina flor da oligarquia rica e privilegiada em seus bunkers, apenas a cachaça quase de graça para traçar em um só gole.

Alguns gomos de lingüiça, um naco de carne seca, rumar para a casa minúscula de parcas paredes caiadas que protegem a prole e a esposa, assim é feita a verdade dos dias de quem trabalha e não de quem o explora.

A vida do homem comum, pobre, absorto, tentando atravessar a rua sem entender nada do que pode representar, verde, vermelho ou amarelo.

O caminhar apressado para nenhum lugar, boletos, Serasa, SPC, alugueres, o carnê atrasado das Casas Bahia, assustando se vai poder comprar um presente ou ouvir um sonoro não do vendedor.

A película “O Carteiro e o Poeta” narra a amizade entre dois mundos, o trabalhador envolto em cartas e telegramas, morador de uma ilha no Mediterrâneo convive com Neruda, definindo na sua simplicidade muito mais do que o vate sabia sobre metáfora.

A árdua tarefa de escrever tal qual o pedreiro construindo a obra, o pintor tingindo em azul a página, o camponês em uma farta colheita de frases, o jardineiro e o buquê de palavras, o garimpeiro encontrando o texto dourado e o carteiro entregando o livro.

Poetas e escritores são apenas proletários das palavras.

“Não basta saber ler que “Eva viu a uva”. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”. Paulo Freire.

“O poeta é um operário que ainda não pode fazer greve” Noel Arantes.

* Agente cultural 

 

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