Edwaldo Arantes *
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Resido no Centro, conheço todos, encanta-me perambular pelas suas ruas, testemunhas oculares dos meus passos e caminhos.
Lotérica do Basilio Botura, Lanchorama, Kiberama, Kopenhaguen, Menegário, Alzira, 605, Gaúcha, J. “A Cidade”, O Diário, O Diário de Notícias, , Cine e Livraria São Paulo, Hotel Vila Velha, Palace, Pinguim, Quarteirão Paulista, Hedonê, Acadêmica, Discolar, Giovanetti, os cinemas o Centro, JR, Auxiliadora, Santa Úrsula, Otoniel Mota, Modelar, Urubatã, Pernil de Ouro, Lanches Paulista, Jangada. Moa, Hiroshi, Árabe, Volta do Boêmio, Paulo Camargo; Passado efervescente, tumultuado e bom.
Acostumado aos filmes melódicos e as mesmas películas das semanas santas, com apóstolos, Judas e Madalenas, descobri, Fellini, Saura, Herzog, Cacá Diegues, Vittorio de Sica, Antonioni, Glauber Rocha, Polanski, Cacá Diegues, Orson Welles, Truffaut, Kurosawa, Fassbinder, De Sica, Hitchcock… Vinte salas de exibição no Centro, evaporaram.
Lá descobri encantado Amarcord, Mastroianni, Roma Cidade Aberta, Terra em Transe, Oito e Meio, Bergman, O Sétimo Selo, Sofia Loren, Lívia Ullman, Rita Hayworth… Apaixonei-me pela sétima arte.
Adentrei o Sebo da São Sebastião, procurava dois clássicos, Fausto, Goethe e Incidente em Antares, Veríssimo.
O atendente não encontrava nessa geringonça chamada computador, engraçado, o senhor Guerino Capalbo, Acadêmica, percorria em passos lépidos e visão de Lince, subia em um banquinho e apanhava como pêra madura o exemplar da estante.
O funcionário solicitou-me o autor, cheguei a soletrar: G O E T H E, ele pergunta?
– É brasileiro? Irritado respondi, sim, de Camanducaia, a senhora Lourdes salvou-me com uma alfinetada:
– Livros encalhados há vinte anos, nunca ninguém perguntou e jamais comprou, entregando-me os dois únicos solitários exemplares.
Retirei-me magoado, sabendo que somos uma cidade rica em tudo, mas paupérrima em leitura e cultura.
Lembrei-me de um acontecimento jocoso, mas trágico sobre um sociólogo, antropólogo e cientista na conceituada Cambridge em visita ao Brasil, pois iniciava um estudo sobre um dos maiores intelectuais brasileiros, Sérgio Buarque de Holanda, como Harvard estuda Paulo Freire, queria o livro que mudou tudo, Raízes do Brasil.
Foi a uma destacada biblioteca paulistana e não conseguiam encontrar a obra, pasmem, constava da seção de botânica, Raízes do Brasil, será que acharam que a Bíblia da Sociologia falava da radícula da mandioca.
Finalmente ao Mercadão, quase ninguém sabe, logo na entrada uma escultura intrigante e belíssima criada pelo gênio de Bassano Vaccarini, italiano, símbolo do Brasil, fundador do TBC, amava Ribeirão Preto e Altinópolis.
Universo “sui generis”, singular e misterioso, sementes, nomes exóticos, azeitonas, doces de cidra, casca de laranja, figo, leite, goiabada cascão coberta com palha, queijos Canastra, Salinas, vassouras, panelas, fumos em corda, palhas, ilusões mergulhadas em poções salvadoras curando principalmente as moléstias e dores incuráveis da alma.
A casa de Vinhos, o senhor Mauro, informa: -Os seus tintos portugueses, reservei, com as festas, somem.
Sentado, bem em frente, taciturno, sozinho em seu café e pensamentos, o ícone, a sensibilidade, o monstro sagrado do jornalismo, Sidinei Quartier. Abraço com olhos e admiração.
Puxamos conversa falando de tudo e de nada, algumas sérias, outras de esperar o trem.
Às vezes ficamos circunspectos, pensando, ditaduras, déspotas, genocidas, uma extrema direita, inimiga das artes, amantes de sertanejos universitários, suas fivelas agressivas, botas, camionetes, truculências, alienações, o som aos cem decibéis, vergonhas do léxico e do intelecto.
Alteramos as conversas falando de tempos bons, liberdade, democracia, reconstrução, desejando êxito ao Lula em consertar a terra arrasada.
Tudo passa, desaparece, escapa como água entre os dedos, fluindo doce sem importar-se com nossas angústias, sonhos, arrependimentos e parcas vitórias.
Apenas as lembranças cravadas na saudade são eternas, não se dissipam, continuam grudadas, parasitas em nossos corpos, arranhando as mentes.
Alertando noites e dias que:
“A vida passa! Que a vida passa! E a mocidade vai acabar”. “Manuel Bandeira”.
* Agente cultural