Por Hugo Luque
O holandês Max Verstappen pode confirmar neste domingo, em Las Vegas, o título da Fórmula 1 na temporada 2024, um ano marcado pelo público feminino, ainda que sem mulheres no grid – por enquanto. Isso porque elas têm se tornado protagonistas, sobretudo no mercado brasileiro da categoria.
Após passar pelo Autódromo de Interlagos, no início do mês, a F1 deixou saudades nos fãs e mostrou que sua base de fãs está cada vez mais diversa. Há pouco tempo, era “coisa de homem” acelerar, fazer curvas e até mesmo falar sobre motores e montadoras. Não é mais.
Uma pesquisa divulgada pelo Ibope Repucom no fim de outubro constatou que, desde 2019, o crescimento do interesse feminino por automobilismo cresceu 49%. No total, as mulheres representam 51% dos 25 milhões de chamados novos fãs de automobilismo.
A retomada na popularidade desse esporte também passa por Ribeirão Preto. Maria Júlia Oliveira é uma das novas apaixonadas pela velocidade. A estudante conta que uma amizade deu a largada. “Comecei por influência da Giulia, minha amiga, que falou: ‘amiga, eu acho que você vai gostar.’ Isso foi no meio de 2022. Falei que tentaria, assisti e não tive aquela coisa de gostar mesmo. Em 2023, peguei para assistir para valer”, explica.
A amiga, Giulia Carvalho, é uma fã mais antiga, ainda que acompanhasse apenas de forma casual durante a infância. “Eu comecei acompanhar em 2019, mas desde criança assistia, porém acredito que foi em 2019 que realmente comecei a acompanhar e assistir a tudo sem perder nada, nem treino livre”, diz a jornalista.
Elas viveram juntas as memórias e experiências das duas últimas visitas da F1 a São Paulo, apesar de torcerem para pilotos diferentes – Maria Júlia é fã de Charles Leclerc, enquanto Giulia torce para Lewis Hamilton.
“O ano passado foi o primeiro que eu fui e, do que senti, foi bem tranquilo. Fiquei bem em frente ao ‘S do Senna’. Tinha bastante homem e bastante mulher, mas sempre foi muito amistoso. Acho que o principal ponto da Fórmula 1 é que, independente de as pessoas terem preferências de pilotos e equipes, sempre tem um respeito”, detalha Maria Júlia.
O crescimento e suas dores
Na visão da dupla de aficionadas, a Fórmula 1 ganhou muitos fãs nos últimos anos e rejuvenesceu sua base de torcedores por conta de “F1: Drive to Survive”, uma das séries documentais mais populares da atualidade, que mostra os bastidores dos pilotos antes de cada grande prêmio.
“Acho que tem um pouco da série, que trouxe um público muito maior. Mas, para mim, uma grande parte disso também são as mídias sociais e as meninas mais jovens na base de fãs, uma comunidade que está muito mais engajada”, opina Giulia.
O aumento no número de mulheres interessadas por automobilismo é realidade. Contudo, alguns problemas ainda são pontuados. Entre eles, o comportamento de outros fãs nas redes sociais.
“Na internet, acho que as pessoas pesam a mão um pouco, justamente por causa da série. A galera que acompanha a Fórmula 1 desde antigamente ainda tem um pouco de preconceito e não respeita a opinião de quem começou há pouco tempo, principalmente das mulheres. Ainda tem aquela coisa do machismo, mas está quebrando”, relata Maria Júlia.
Por outro lado, Giulia enxerga que a rede social, apesar de todos os problemas, ainda é a maior plataforma para promover o automobilismo e, sobretudo, a Fórmula 1 para as mulheres.
“Depois da pandemia, várias meninas começaram a criar conteúdo, por exemplo, para TikTok. Recentemente, a Liberty Media, que é a empresa detentora dos direitos da Fórmula 1, fez uma pesquisa e constatou que a maioria dos criadores de conteúdo que estão repercutindo a Fórmula 1 nas mídias sociais são mulheres.”
Muito a evoluir
A Fórmula 1 não tem uma mulher na disputa por um posto no grid de uma prova oficial desde Giovanna Amati, em 1992 – ela não conseguiu se qualificar para largar. Atualmente, a modalidade tem investido mais na formação de pilotas e um exemplo é a criação da F1 Academy, uma categoria exclusivamente feminina.
“Hoje, com a F1 Academy, as meninas pequenas veem que podem chegar numa categoria grande, podem dirigir um carro de Fórmula 1”, pontua Maria Júlia.
O Brasil já tem confirmada uma representante na disputa em 2025: a catarinense Rafaela Ferreira – que pode ser acompanhada da belga-brasileira Aurelia Nobels, competidora no campeonato deste ano. Fora das pistas, porém, pouco ainda é feito para uma mudança de panorama.
“Se olhar para o cenário da Fórmula 1, há pouquíssimas mulheres. Se agrava ainda mais se for olhar para o automobilismo brasileiro, como por exemplo a Stock Car, que só tem uma engenheira mulher trabalhando numa equipe. É um ambiente que não é seguro”, comenta Giulia, que aponta a ocorrência de comportamento inadequado e assédio.
Em 2022, 15 mulheres relataram terem sido assediadas nas arquibancadas do GP da Holanda. Já em fevereiro deste ano, uma funcionária da Red Bull Racing acusou o chefe da equipe, Christian Horner, de tê-la enviado mensagens com conotação sexual. Após uma investigação interna realizada pela escuderia austríaca, Horner foi absolvido e a denunciante acabou suspensa.
“Acredito que, para isso mudar e ser um ambiente acolhedor para as mulheres, tem de ter mais mulheres em posição de poder dentro de equipes. (…) Sabemos de inúmeros casos de assédio que acontecem, seja dentro do autódromo e até dentro do paddock, na questão de mulheres que trabalham nas equipes.”
Caminho sem volta
Para ser tetracampeão, Verstappen precisa apenas chegar à frente de Lando Norris, da McLaren, neste domingo. Fato é que, independente do tetracampeonato ficar ou não com o holandês, o resultado será comemorado ou lamentado por milhões mulheres por todo o planeta.
Maria Júlia acredita que, com as redes sociais na palma da mão, o movimento de popularização entre o público feminino é irreversível e cada vez mais garotas e mulheres vão encontrar apoio na internet.
“Tenho um tio muito fã e, pelo que ele fala, antes era completamente dominado pelos homens. Quando eu comecei a assistir, vi muita influenciadora e jornalista mulher no ramo. Para mim, as redes sociais servem como ponto de acolhimento para as mulheres. Uma menina que não tem ninguém na família que gosta de Fórmula 1 vai se sentir acolhida lá com pessoas que falem sobre o esporte.”