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Consciência Negra: reflexos jurídicos e resgate de história de luta 

André Luiz da Silva *
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Em 20 de novembro, pela primeira vez, celebrou-se o feriado nacional do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, instituído pela Lei Federal nº 14.759, de 21 de dezembro de 2023. Essa data histórica marca um avanço normativo e social ao consagrar, no calendário oficial, um momento dedicado à reflexão sobre a contribuição da população negra à formação do Brasil e à luta contra as injustiças históricas decorrentes da escravização e do racismo estrutural.

A implementação desse feriado gerou intenso debate público, com lamentáveis manifestações de setores que questionam sua pertinência e a validade das políticas afirmativas, além das normas que criminalizam o racismo. Argumentos contrários, baseados no desconhecimento ou na negação histórica, sustentam, equivocadamente, que tais iniciativas promovem privilégios direcionados. Contudo, uma análise jurídica e histórica dos marcos legislativos demonstra a necessidade de ações que corrijam as profundas desigualdades construídas ao longo dos séculos.

Historicamente, o ordenamento jurídico brasileiro implementou diversas normas que, sob o pretexto de regular a escravidão ou seus efeitos, frequentemente perpetuavam situações de injustiça. A Lei Eusébio de Queirós (1850), por exemplo, proibiu o tráfico transatlântico de escravos, mas foi amplamente desrespeitada devido à ausência de mecanismos eficazes de fiscalização. A Lei do Ventre Livre (1871) declarou livres os filhos de mulheres escravizadas, mas transferia às mães a responsabilidade pelos custos desses filhos, perpetuando a exploração econômica. A Lei dos Sexagenários (1885), ao prever a libertação de escravizados com mais de 60 anos, revelava-se inócua diante da baixa expectativa de vida imposta pelas condições degradantes de trabalho. Finalmente, a Lei Áurea (1888), embora tenha extinguido formalmente a escravidão, omitiu-se quanto à reparação dos escravizados, que foram relegados à marginalidade social.

Além dessas normas de caráter ambíguo ou inócuo, outras disposições legais promoviam diretamente a exclusão. O Código Penal de 1830, conhecido como “Código Criminal do Império”, estabelecia tratamentos distintos para crimes cometidos por cidadãos livres e escravizados. Enquanto os primeiros eram punidos com multa, prisão e no máximo extradição, os escravizados enfrentavam penas de trabalhos forçados, chicotadas e, em casos extremos, a morte. Destaca-se o artigo 295, que criminalizava a “vadiagem” e afetava desproporcionalmente negros livres, considerados “vadios” ou “mendigos” por não possuírem renda ou ocupação reconhecida. A proibição da capoeira, em 1890, evidencia outro exemplo de legislação repressiva contra práticas culturais negras, revisada apenas em 1937, após intensa mobilização social.

É evidente, à luz da história legislativa brasileira, que o arcabouço jurídico contribuiu significativamente para a exclusão e marginalização da população negra. Os reflexos dessas normas permanecem evidentes no presente, manifestando-se em desigualdades nos sistemas penal, educacional e econômico. O feriado nacional do Dia da Consciência Negra, portanto, transcende sua dimensão simbólica e reafirma o compromisso do Estado brasileiro com a promoção da igualdade racial e a reparação histórica.

Diante disso, é imperativo que o ordenamento jurídico, por meio de políticas afirmativas e programas de inclusão, avance no enfrentamento ao racismo e na concretização dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da justiça social. O progresso efetivo exige não apenas o reconhecimento histórico das violações passadas, mas também a adoção de medidas concretas que promovam a equidade e reforcem o pacto social democrático.

* Servidor municipal, advogado, escritor e radialista 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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